Uma bola de curva alta, que viajou o tempo todo acima da zona de strike e caiu em cima da hora, congelando Ketel Marté. Era o strike que faltava para o arremessador Josh Sborz fechar a nona entrada, fechar o jogo 5 da World Series, fechar a World Series como um todo. Era exatamente meia-noite no horário de Brasília, e o Texas Rangers batia o Arizona Diamondbacks por 5 a 0 e se tornava, pela primeira vez, o campeão da Major League Baseball.
O placar do jogo decisivo e os 4 a 1 na série como um todo até sugerem um título tranquilo para os texanos. Mas esteve longe de ser assim. Primeiro, porque a finalíssima estava no 0 a 0 até a sétima entrada e 1 a 0 até a nona. Segundo, porque superar os Diamondbacks exigiu muita capacidade de adaptação dos Rangers.
A decisão da MLB reuniu duas equipes de estilo de jogo muito diferentes. Os Rangers têm muitos rebatedores de força e contavam com rebatidas longas para produzir suas corridas, além de abridores experientes para irem longe nas partidas e deixar poucas entradas para o bullpen. Os Diamondbacks confiavam na capacidade de seu ataque de fazer contatos curtos bem colocados e usar a velocidade para percorrer bases. No montinho, um grupo de relievers mais versátil permitiria um jogo inteiramente de bullpen na série, além de aberturas mais curtas de um ou outro arremessador da rotação.
Na final da Liga Nacional, os D-backs enfrentaram um Philadelphia Phillies que tinha características semelhantes aos Rangers. E o jogo estava encaixando para o Arizona. Perderam a primeira partida da World Series por 6 a 5, mas venciam por 5 a 3 até a nona entrada. Depois, ganharam por contundentes 9 a 1 no segundo duelo. Os dois jogos na região metropolitana de Dallas.
Os Rangers precisariam dar uma resposta. E mostraram repertório para isso. Ao perceberem que a dependência de bola longa não seria suficiente, o Texas passou a jogar um pouco dentro do estilo do adversário. E, com rebatidas curtas e esperteza para percorrer as bases, conseguiu corridas importantes para deslanchar na série, com vitórias por 3 a 1, 11 a 7 e 5 a 0.
Mudança de patamar
A conquista serve como um marco para que uma nova franquia se coloque como força dentro do beisebol. Não apenas hoje (afinal, é o atual campeão, óbvio que o time é forte), mas por um longo tempo.
Em relação ao poderio econômico, poder de mercado e até investimento de seus donos, as franquias da MLB se dividem em quatro categorias: a) os gigantes históricos, que têm pressão para brigar pelo título todos os ano; b) as equipes que não são potências históricas, mas trabalham para serem competitivas com muita frequência; c) os times menores que variam reconstruções de seis ou sete anos para terem janelas de três ou quatro brigando na ponta, antes de reiniciar o ciclo; e d) as que não parecem ter compromisso em tentar vencer quase nunca.
Durante as primeiras décadas de sua história (foram fundados em 1961 como Washington Senators), os Rangers sempre se posicionaram no terceiro grupo. Agora, temos sinais cada vez mais fortes para acreditar que o Texas queira dar um salto para o segundo.
Desde que assumiu o controle dos Rangers, em um processo que começou em 2010, o grupo liderado pelo empresário Ray Davis tem mostrado comprometimento em fazer dos Rangers um time vencedor. Em 2010 e 11, o Texas tinha um elenco forte, investiu para melhorar e chegou a duas World Series. Depois, passou por uma ligeira reformulação, mas foram bicampeões da Liga Americana Oeste em 2015 e 16. Mais uma reconstrução veio, passando por campanhas muito ruins (60 vitórias e 102 derrotas em 2021!), mas uma nova janela de competitividade apareceu.
A diferença é que o time cresceu mais rápido que o normal por ação direta dos dirigentes da franquia. Quando alguns jovens de talento estavam aparecendo, os Rangers botaram a mão no bolso e saíram contratando jogadores. Corey Seager (US$ 325 milhões / 10 anos), Marcus Semien (US$ 174 milhões / 5 anos) e Jon Gray (US$ 56 milhões / 4 anos) chegaram em 2022. Jacob deGrom (US$ 185 milhões / 5 anos), Nathan Eovaldi (US$ 34 milhões / 2 anos) e Max Scherzer (US$ 22,5 milhões / 1 ano) vieram neste ano.
O grupo de veteranos elevou o nível da equipe, dando peso e poder de decisão para superar as armadilhas dos playoffs. No entanto, os garotos (Josh Jung, Evan Carter, Leody Taveras e Ezequiel Durán) podem formar uma base que mantenha os Rangers competitivos em longo prazo. Essa receita tem funcionado perto dali, no Houston Astros (outra franquia e vivia de janelas de competitividade, mas que se planejou para dar o salto e se tornar sempre competitiva.
Aliás, os Astros são outro elemento novo que faz o torcedor dos Rangers acreditar que a franquia queira mudar de patamar. As duas equipes nunca tiveram grande rivalidade porque atuavam em ligas diferentes. O Houston se mudou para a Liga Americana em 2013, mas os dois times texanos realmente disputaram algo apenas em 2015 e 16. A partir de 2017, o Texas caiu muito, enquanto que a outra equipe do estado teve o melhor momento de sua história.
Rangers e Astros voltaram a jogar no mesmo nível agora, com ambos empatando na liderança da Divisão Oeste (o Houston levou o título por critério de desempate). E, com os dois times disputando a temporada regular cabeça a cabeça e fazendo uma série de 7 partidas nos playoffs, a tendência é que a rivalidade finalmente surja. A temperatura dos dérbis texanos em 2023 foi alta, e deve aumentar em 2024 depois de boladas nos playoffs e troca de provocações indo até a comemoração do título do Texas.
Com um rival próximo servindo sempre de termômetro, é provável que a diretoria e o torcedor dos Rangers não aceitem muitos anos de mediocridade. Superar os Astros se tornaria um parâmetro eterno, e isso pode impulsionar as duas franquias a seguirem investindo para estar no topo. Para a MLB, seria ótimo. Já há uma grande rivalidade no nordeste (New York Yankees x Boston Red Sox), uma grande no Oeste (Los Angeles Dodgers x San Francisco Giants) e uma no norte / Meio-Oeste (Chicago Cubs x St. Louis Cardinals). Há espaço para uma grande rivalidade no sul, e os dois texanos preencheriam muito bem essa lacuna.