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Rugby já foi o 'esporte dos brancos' na África do Sul; hoje, capitão e craques da seleção são negros

Neste sábado (21), África do Sul e Inglaterra se enfrentam pela semifinal da Copa do Mundo de rugby para saber quem encara a Nova Zelândia na grande decisão. A partida terá transmissão ao vivo pela ESPN no Star+.

Atual campeão, o time dos Springboks vem passando por uma grande transformação nas últimas décadas, principalmente no perfil racial de seus jogadores.

Durante quase toda a sua história, a seleção sul-africana de rugby contou apenas com atletas brancos em seu plantel, principalmente por causa do Apartheid, regime de segregação racial que funcionou entre 1948 e o início dos anos 90 no país – e que inclusive proibia a participação de jogadores de outras etnias no rugby profissional.

Não à toa, a população negra sempre torceu contra a seleção do país, já que ela representava o domínio da elite branca. Eram tempos em que o rugby era chamado de "esporte dos brancos" na África do Sul, enquanto o futebol era o "esporte dos negros".

As coisas começaram a mudar depois do fim do Apartheid, mas de maneira muito lenta.

Em 1995, quando a África do Sul foi liberada para jogar em cenário internacional por causa do encerramento da segregação, a equipe venceu sua primeira Copa do Mundo (depois de ficar fora das edições de 1987 e 1991). Na ocasião, o plantel possuía apenas um jogador negro: o winger Chester Williams, que faleceu em 2019, com apenas 49 anos.

Na ocasião, Nelson Mandela, primeiro presidente negro da história da nação, também teve papel importante antes e durante a disputa da Copa, tentando de toda forma unir todo o país em torno da seleção, mesmo com muitos atritos entre brancos e negros devido aos anos de segregação racial.

Já em 2007, quando os Springboks celebraram o bi do Mundial, o elenco possuía dois atletas negros: os wingers JP Pietersen e Bryan Habana – tudo isso em uma nação em que mais de 81% da população é negra, enquanto os brancos representam pouco mais de 7%.

A evolução seguiu e, em 2019, ano do tri sul-africano, havia seis negros entre os 15 titulares na final contra a Inglaterra, inclusive o capitão do time: o loose forward Siya Kolisi.

Kolisi, aliás, entrou de vez para a história já em 2018, quando se tornou o primeiro jogador negro a vestir a braçadeira de capitão da seleção sul-africana em toda a história de mais de 100 anos.

Já na seleção atual, dos 33 originalmente convocados pelo técnico Jacques Nienaber, 13 são negros: ou seja, quase 40%. Esse número já está muito mais próximo da meta da Confederação Sul-Africana de Rugby, que quer ter 50% de atletas negros no plantel.

E, dos 13 jogadores negros da equipe, quase todos têm papel de grande destaque.

O já citado Siya Kolisi é o capitão; o hooker Bongi Mbonambi foi o melhor jogador da incrível vitória sobre a anfitriã França nas quartas de final; o fly half Manie Libbok veste a camisa 10 e é o "coração" do time; e os wingers Cheslin Kolbe e Makazole Mapimpi adoram anotar tries decisivos - na final de 2019, por exemplo, eles acabaram com a Inglaterra. Isso sem falar em outro winger de enorme qualidade, Kurt-Lee Arendse, que já marcou dois tries na atual Copa do Mundo.

O crescimento da participação de atletas negros no rugby sul-africano tem vários fatores. De acordo com vários estudos, os mais importantes são o crescimento do interesse pelo esporte entre a população negra, já que a seleção nacional é sempre muito forte, e o número cada vez maior de atletas negros praticando a modalidade, principalmente em nível escolar.

Há ainda, porém, um gargalo: para chegar à elite do rugby, quase sempre é necessário se destacar no esporte universitário da África do Sul, que é o caminho depois para os times profissionais. E, nesse ponto, os negros, que formam a grande maioria da população pobre da nação, ainda estão muito atrás dos brancos, que seguem como elite econômica.

Para os próprios jogadores, todavia, a maior participação de negros nos Springboks é um sinal positivo para o futuro do país, que ainda tenta curar as muitas feridas deixadas por quase cinco décadas de Apartheid.

"Nós temos tantos problemas em nosso país, e esse time vem de diferentes classes sociais, diferentes condições, diferentes raças. No entanto, a gente se uniu em prol de um objetivo e conseguimos alcançá-lo", disse Siya Kolisi, em sua entrevista coletiva logo após a conquista do Mundial de 2019.

"Eu realmente espero que a gente consiga inspirar a África do Sul. Nosso título mostra que, quando nosso país está unido, ele pode alcançar qualquer coisa. Eu amo a África do Sul, e a minha mensagem é de que podemos alcançar qualquer objetivo, desde que a gente trabalhe juntos", complementou.

"Siya Kolisi é um cara ímpar"

Comentarista de rugby da ESPN, Antônio Martoni destacou a importância de Siya Kolisi nos Springboks.

"Em 2019, a seleção sul-africana chegou ao topo do mundo com um recorde de jogadores negros, e tendo como capitão o Siya Kolisi, uma figura ímpar no esporte da África do Sul e mundial. É um garoto que teve uma infância muito pobre, era de família muito simples e, quando começou, não tinha nem uniforme para jogar rugby. Mas, por seu talento e pela liderança que ele demonstra até hoje, ganhou o mundo e o respeito dos Springboks", destacou Martoni.

"Hoje, a equipe possui vários jogadores negros e todos são brilhantes. Isso só mostra que, quando você dá oportunidade a todos de praticarem um esporte, todos podem se dar bem, independentemente de etnia", acrescentou.

Para o comentarista, hoje o rugby é visto como o "esporte de todos" na África do Sul.

"Hoje, nas partidas que você acompanha dos Springboks, os negros e brancos torcem juntos na arquibancada. A seleção é um canal de boas intenções permanentes, que vem ajudando nesse período de transformação da sociedade. Claro que ainda está longe do ideal, mas a cada dia se dá um passo decisivo para uma sociedade melhor na África do Sul", ressaltou.

Onde assistir a Inglaterra x África do Sul?

Inglaterra x África do Sul, neste sábado (21), às 16h (de Brasília), pela semifinal da Copa do Mundo de rugby, tem transmissão ao vivo pela ESPN no Star+.