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Os 30 anos da última vitória de Ayrton Senna na F1 em sua despedida pela McLaren nas memórias de Mika Hakkinen

Há 30 anos, exatamente em um 7 de novembro, a Fórmula 1 vivenciou o fim de uma das maiores parcerias da história do automobilismo: Ayrton Senna fazia em Adelaide, na Austrália, sua última corrida pela McLaren. Foi com ela que o brasileiro conquistou três títulos mundiais e 35 de suas 41 vitórias na categoria.

Senna já estava fechado com a Williams, então a principal potência da F1: Alain Prost retornou da aposentadoria para conquistar o quarto Mundial de Pilotos em 1993 sem grandes dificuldades.

Mas o derradeiro ato do tricampeão pela McLaren não poderia ter sido melhor: Ayrton foi pole position e conquistou aquela que seria também sua última vitória na F1.

"Aquele Grande Prêmio é algo que eu nunca vou esquecer. E foram tantos GPs que eu fiz...", conta Mika Hakkinen em entrevista exclusiva à ESPN. "Pessoalmente eu penso em uns 20 GPs, mas aquele particular de 1993, quando eu tive o grande prazer de ser companheiro de equipe de Ayrton Senna... Aquela foi uma grande vitória para Ayrton, uma vitória muito grande. Nós estávamos em uma situação com o carro que não estava à altura do da Williams, e Alain Prost foi definitivamente muito dominante naquela temporada. O carro dele era rápido demais para mim e para Ayrton, pois eles estavam sempre sete décimos mais rápidos. Não importava o que nós fizéssemos para tentar encontrar as melhores soluções. Sempre duros sete décimos mais velozes, mas naquele GP em particular Ayrton fez um trabalho fantástico e foi capaz de ganhar a corrida. E isso foi um grande, grande sucesso".

O finlandês era piloto reserva da McLaren em 1993, mas teve a chance de disputar as três últimas corridas daquela temporada após a demissão de Michael Andretti. Em Portugal, bateu e não completou a prova; no Japão, conquistou o terceiro lugar e subiu ao pódio ao lado de Senna (primeiro) e Prost (segundo); na Austrália, um problema nos freios o fez abandonar.

"Eu tive um problema nos freios na corrida anterior no Japão, então não pude maximizar minha performance. E eu acredito que na Austrália houve um problema similiar no carro. E esta é a minha desculpa para não ter ganhado lá", brincou Hakkinen.

Este "humor finlandês" da frase acima acompanhou o futuro bicampeão da F1 naquelas três provas pela McLaren. Mas não cativou muito o companheiro de equipe...

"Eles me colocaram para fazer três GPs no final da temporada ao lado de Ayrton Senna, tricampeão mundial, um piloto extremamente rápido. E eu consegui ser mais veloz do que ele no classificatório para o GP de Portugal. Eu era um cara muito reservado, e para mim foi algo normal. Para mim, foi normal eu ser mais rápido do que ele, porque eu era um jovem muito confiante. E a diferença para Ayrton foi pequena, menos de um décimo de segundo. Seria como em uma pista de 5km eu ficar só um metro à frente. Bom, eu fui mais veloz do que ele, e Ayrton veio falar comigo sobre isso. 'Como você conseguiu fazer isso?'. E claro, eu fui brincar algo com ele. Usando meu senso de humor finlandês... E ele não entendeu meu tipo de humor e ficou extremamente irritado", revelou.

"Ele me colocou no meu devido lugar dizendo: 'Mika, você entende que eu sou três vezes campeão mundial, tenho muitas pole positions, voltas mais rápidas, vitórias, e você tem nada. Então você não pode vir me dizer esses tipos de coisas'. E eu tentei explicar a ele que era uma piada. Mas ele ficou sem falar comigo por umas duas semanas".

Após o choque inicial, Hakkinen explicou como o senso de trabalho de Senna o ajudou nos anos seguintes pela McLaren.

"Bem, eu reconheço que foram naqueles três GPs que eu entendi que não sabia nada. Eu era extremamente talentoso, um jovem piloto finlandês muito rápido, mas tinha muito a aprender. E trabalhar junto a Ayrton me fez entender sua filosofia de trabalho. Entendi que o caminho que eu tinha para alcançar aquele nível levaria algum tempo, então eu precisava aprender, e Ayrton ganhando aquele último GP na Austrália não foi apenas sorte ou algo assim. Foi talento puro e incrível com o coração e a capacidade de comunicação com as pessoas, tirando o melhor das pessoas. E eles tirando o melhor possível do carro. Não era apenas tirar o melhor do carro, era tirar o melhor das pessoas, porque as pessoas têm o poder de construir esses carros, e ajustá-los reflete no desempenho ê no nível que você quer. Então todos estes aspectos tinham que estar no lugar certo, e Ayrton era tão bom nisso. E isso me chamou a atenção de um jeito... 'Meu Deus! Eu não sei de nada'. Então, foi uma boa lição para mim. E eu realmente comecei a trabalhar duro para entender o que eu precisava para alcançar o mesmo nível", contou.

O GP da Austrália marcaria o fim de uma exitosa parceria entre Senna e McLaren. Durante seis anos, o mundo do automobilismo viu a idolatria pelo brasileiro atingir níveis nunca antes vistos. A sinergia entre piloto e equipe parecia perfeita, e Mika Hakkinen revelou qual foi o momento mais difícil daquele final de semana: o discurso de despedida para Ayrton no jantar com todo o time.

"Nós tivemos um jantar da equipe e foi muito bom. Eu estava lá, Ayrton estava lá, Ron Dennis estava lá, Dave Ryan (ex-diretor esportivo da McLaren) estava lá. Foram muitos GPs de Ayrton pela McLaren Team, e Ron abriu com seu discurso. Ele sempre quis que Ayrton ficasse com a equipe, mas ele não foi capaz de garantir o melhor acordo... e Ayrton fez um discurso. Ele estava bem triste naquela vez. E foi lá onde ele teve que contar a história para todos os mecânicos, engenheiros e projetistas que haviam trabalhado extremamente duro para ele alcançar as grandes vitórias. Mas ele queria explicar que a vida continua… 'Eu tinha que seguir em frente'. Veja, ele queria ganhar. E ele viu que com aquele outro time poderia ganhar. Este jantar aconteceu há muito anos, é claro, mas eu me lembro extremamente bem", falou.

"E eu tive uma dificuldade muito grande para entender talvez a parte filosófica por trás disso. Porque quando você está em uma equipe, você é responsável pelo sucesso também. Quando você tem aqueles dias difíceis, você não pode olhar para a equipe como se eles não estivessem fazendo o melhor. Eu não estava sempre de acordo com todos, mas tudo bem. Nós amamos pensar de maneira diferente. Eu vejo dessa forma, mas acho que às vezes Ayrton estava feliz por um lado e triste por outro, porque ele teve que encarar aqueles mecânicos que fizeram parte de seus títulos mundiais, trabalhando e sacrificando suas vidas pela motivação, pela McLaren, por Ayrton Senna, o tempo que eles deram por ele, sacrificando em termos de famílias, quando eles viajam ao redor do mundo, sem descanso. Então foi um momento muito triste".

"E tem outra coisa: a Fórmula 1 é muito direcionada à questão financeira, ao dinheiro, é claro, e sinto que Ayrton realmente experimentou esses valores, o que ele precisava para ser remunerado por causa de seu desempenho. E eu não acho que ele estava muito feliz com o dinheiro que conseguia. Por que eu estou dizendo isso? Porque eu era parte das negociações, escutando as reuniões, e foi muito interessante. Então, claro, o sentimento não era tão bom. Mas por outro lado a Williams levou Ayrton, e eles estavam motivados por ter outro tricampeão mundial na equipe após Alain Prost conquistar o tetra, esperando que Ayrton pudesse continuar sua jornada vitoriosa. Mas nós todos sabemos que os regulamentos mudaram muito radicalmente de 1993 para 1994, e a Williams não era mais tão fantástica. Não desempenhava como deveria. E então uma jovem arma, Michael Schumacher, estava aparecendo e indo muito bem. Isso deixou a situação muito desconfortável para Ayrton ao deixar a McLaren", relembrou.

Para o ex-piloto finlandês, Senna também sofria muito com as brigas nos bastidores da Fórmula 1.

"Ayrton certamente trabalhou muito duro, conquistou muita coisa em sua vida, mas eu sinto que ele teve um momento muito difícil em sua carreira, brigando com o mundo político. Ele sentia que não estava sendo tratado corretamente, porque pensava de forma diferente. Ele não era um piloto normal.. Ele queria mudanças, queria mais, queria melhorar a segurança, pensava em benefícios do ponto de vista dos pilotos, não apenas pelo lado do entretenimento. Ele queria as mudanças, e é por isso que provavelmente ele não era a favor de todos os promotores de corridas. Creio que foi um desafio gigante", analisou.

Ayrton deixou a McLaren e assumiu como piloto principal da Williams em 1994. Infelizmente, na terceira corrida, o brasileiro sofreu o grave acidente que lhe tirou a vida no GP de San Marino, em Ímola, no dia 1° de maio de 1994.

Questionado se considera Senna o melhor piloto que já passou pela Fórmula 1, Mika Hakkinen foi direto: "Eu sinto que Ayrton não... Sabe, por causa de seu terrível acidente em Ímola, é claro, eu não acho que nós vimos seu potencial completo para o resto de sua carreira, o que ele poderia ter feito. E é por isso que é muito, muito desafiador começar dizendo muito, mas automaticamente... É incrível o que Ayrton conseguiu fazer em sua carreira. Eu acredito que ele teria conquistado títulos mais incríveis em sua vida. Pelo que ele fez, seria capaz de fazer um trabalho gigante".

Hakkinen ganhou dois títulos pela McLaren (1998 e 1999). Ainda assim, não se ve no mesmo nível do ex-companheiro de 1993...

"Nós somos diferentes, claro. Ayrton veio do Brasil, eu vim de uma bem gelada Finlândia... O número de pessoas vivendo na Finlândia é de apenas 5 milhões, Brasil tem bem mais, diferentes filosofias de vida. Mas quando nós viemos de uma 'terra de ninguém', fazer sucesso tem a ver com comunicação e encontrar o melhor trabalho de equipe. E eu acho que posso dizer que nisso estamos no mesmo nível. Mas o que eu diria: ele era um homem muito corajoso guiando, e eu não acho que poderia igualar isso", concluiu.