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Como Ana Moser sobe para 'bloquear' quem duvida de sua gestão no Ministério do Esporte

A ex-jogadora de vôlei Ana Moser, medalha de ouro pela seleção brasileira em duas edições de Grand Prix (1994 e 1996), e ministra dos Esportes do Brasil desde janeiro de 2023 EVARISTO SA/AFP via Getty Images

Nas quadras, pela história que construiu vestindo as cores do Brasil, a medalhista de bronze nos Jogos Olímpicos de Atlanta 1996 Ana Beatriz Moser não precisa provar mais nada a ninguém. Na gestão esportiva privada, também não, com um histórico de engajamento da ex-atleta em causas sociais e estudos associados ao esporte e educação.

Há quem duvide, porém, do que Moser será capaz de fazer no comando do Ministério do Esporte, pasta que ela assumiu há cerca de 50 dias. Em conversa com a ESPN, ela fala dos planos, projetos e também das recentes críticas que teve de enfrentar, para deixar claro: está pronta para escrever mais uma história de sucesso.

"Eu só estou aqui porque querem que eu seja diferente do que sempre foi. E o que sempre foi? O Ministério sempre cuidou das federações, confederações, do COB... Somados, todos esses grupos não chegam a 5% da população, e eles (do Ministério) davam 100% do tempo para essa população de 5%. Eu estou dando atenção para eles, mas para outros públicos, de outros setores sociais, para chegar nos outros 95% da população", disse.

"Temos que alinhar com as instituições do esporte para levar o esporte para todos. Por exemplo: como financiar o esporte para essas 45 milhões de crianças das escolas? E o que o alto rendimento tem que fazer é sentar, todos juntos com o Ministério para participar da política esportiva integrada. Eles têm que entender a política de esportes que o nosso Ministério está propondo", acrescentou.

A conversa com Ana Moser era para ter sido informal, um contato de um amigo que é padrinho de um de seus filhos, mas a resposta da agora ministra, através de um áudio por aplicativo de mensagens, tornou-se reportagem, pelo tom esclarecedor, que serve para contrastar com as críticas daqueles que não acreditam no poder de comunicação da medalhista olímpica.

Quem é Ana Moser?

Se o que Ana Moser fez dentro das quadras é de grande conhecimento público, talvez nem todos saibam de como foi sua atuação no esporte desde que se aposentou do vôlei.

Há um projeto que perdurou com muito sucesso, por exemplo, por 12 anos nos canais ESPN. Ao lado da jornalista Adriana Saldanha, Moser desenvolveu e colocou em prática a Caravana do Esporte, criada por José Trajano. Uma iniciativa educacional e esportiva que levou para os lugares mais ermos e carentes do Brasil, além da prática, novos métodos de ensino aos professores de diferentes comunidades do país. Vôlei e basquete chegaram até onde não havia quadras, e grandes ídolos olímpicos foram "apresentados" a essa população.

Ana Moser criou também o IEE (Instituto Esporte e Educação), um projeto que virou modelo aliando, como o nome sugere, esporte e educação, também direcionado para a população mais carente e vulnerável de várias partes do Brasil.

Já a única experiência da ex-jogadora de vôlei com o poder público aconteceu há 15 anos, quando dirigiu o Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa da cidade de São Paulo. É até hoje um dos únicos polos que resistem como projeto de base e alto rendimento no esporte local.

De lá para cá, no entanto, Ana seguiu engajada em várias frentes, como por exemplo o Atletas pela Cidadania, onde lutou ao lado de vários outros atletas por transparência, democratização e investimentos no esporte brasileiro.

Os desafios e ações do Ministério do Esporte

A introdução serve para ilustrar um dos motivos que fez o presidente Lula escolher Moser entre fortes candidatos para assumir o Ministério do Esporte – entre eles, o ex-jogador Raí, a saudosa Isabel (ainda na época da campanha) e o prefeito de Araraquara Edinho Silva. Um de seus desafios é liderar uma das pastas mais “pobres”, em termos de orçamento, do Governo Federal: são R$ 1,9 bilhão aprovados para 2023. A promessa é de muita transparência com as iniciativas que serão destino desse dinheiro através do site e redes sociais do Ministério.

"Eu estou chegando com a minha experiência de gestão no esporte, de gestão de projetos, afinal, são 20 anos de ONG, fazendo projetos e estando na ponta. É isso que estou agregando lá (no Ministério) e é isso que não tem lá. Porque o Ministério sempre foi a casa de um ou outro projeto ou ação, mas com muito alto rendimento, muito alto rendimento..."

A segunda ministra atleta da história do Esporte, depois do Rei Pelé, diz que existe muito mais trabalho do que polêmica – apesar da grande repercussão de algumas falas recentes de Moser – nesses quase dois meses de gestão. Entre as ações já colocadas em prática, estão o aumento das inscrições do programa Bolsa Atleta e a promessa de melhorar o projeto para os atletas do alto rendimento para o próximo ano olímpico de 2024.

A ministra também segue com uma agenda lotada de visitas em seu gabinete, recebendo políticos, dirigentes de confederações. Já houve também reunião com a Ministra da Saúde, Nísia Trindade, para planejar ações conjuntas de esporte para a população que não faz parte do alto rendimento, vista como produtiva.

Outro projeto que promete acrescentar na gestão e na transparência das entidades esportivas é a inclusão do Instituto Ethos na avaliação das instituições do alto rendimento com a possibilidade de que as instituições atinjam metas estipuladas pelo Ministério do Esporte. Isso incluirá federações, confederações e o Comitê Olímpico Brasileiro.

Ana Moser afirma também que além das parcerias que pretende fazer com Unicef e Unesco irá recriar o Conselho Nacional do Esporte, onde seus membros irão ajudar a estabelecer políticas e decidir os rumos de uma abordagem nacional de esportes que nunca existiu no Brasil.

Determinada a abrir as portas e contar com a experiência de todas as entidades esportivas, a nova ministra também quer debater com o COB metas, não de medalhas apenas, mas sim de volume de atletas presentes no alto rendimento. Em sua visão, é preciso aumentar a quantidade de praticantes em todos os setores da sociedade olhando para a massificação da prática e não apenas para as estrelas do esporte do alto rendimento. Para isso, o olhar estará direcionado para as escolas de onde novos candidatos a atletas sairão para a base.

"O meu olhar para as confederações é fazer com que os esportes cheguem nos estados, cuidar dessa lacuna e nas cidades porque a iniciação que eles propõem é cara e não tem escala. Se eles pensam em projetos para mil alunos não, aí não se trata de política. Nós queremos atingir 20 milhões de crianças, aí sim, é uma política de esporte no estado e não projetos. A ideia é para que eles façam competições interestaduais e entre cidades. Aí eles vão dar oportunidade, dentro da cadeia do esporte pra uma lacuna que é a competição de base, que é a competição regional que não está contribuindo com o sistema."

"Nesse mês de março, se Deus quiser, vou fazer visitas a Bahia e Pará pra me encontrar com os governadores e começar os projetos-piloto, ainda para esse ano. Redes de desenvolvimento de esporte, redes regionais de desenvolvimento de esporte. Daqui a pouco, a gente vai conseguir apresentar essa política e nós vamos fazer piloto neste ano."

Memes, polêmicas, esports e mais

Das cortadas, bloqueios e manchetes que tanto deu nas quadras, Ana Moser, agora ministra, está tendo que se defender e até mesmo bloquear outro tipo de adversário: aqueles que não a conhecem como gestora e duvidam de sua capacidade para comandar o esporte no Brasil.

Como ela definiu, há preocupação maior com o que é dito em entrevistas do que na busca para se informar do que já vem sendo colocado em prática pelo ministério – ou até mesmo antes de assumir a pasta, já que Ana Moser trabalhou, sem salário, durante dois meses na equipe de transição do governo Lula.

Uma das polêmicas que Ana Moser já teve de enfrentar aconteceu após uma entrevista concedida no Prêmio Brasil Olímpico, em janeiro, no Rio de Janeiro, que a colocou na mira dos "memes" da internet.

"Com relação aquele meme da entrevista que me pegaram lá e falaram que eu não sei falar e tal, isso é brincadeira, né? Para quem me conhece, sabe que eu não estou preocupada com isso. Se vocês estão preocupados com isso, vocês não me conhecem e não conhecem o esquema", iniciou.

"É lógico que naquilo não estão minimamente preocupados com conteúdo, o problema ali é outro. O problema que aquilo lá é um meme feito pelo gabinete do ódio, com lives comentando em um programa na internet. É coisa que existe há seis anos. Eu sou vítima disso durante todo esse tempo. Mas a questão que gerou aquilo é o vacilo que a gente vai acertando, aquilo aconteceu no primeiro evento, a gente não tinha 10 dias de gestão, não tinha e ainda não têm todas as pessoas, todo o governo está tendo dificuldade em nomear as coisas, em montar tudo. Tecnicamente os ministérios só começaram em 24 de janeiro, antes não tinha nada. Todo mundo estava trabalhando sem receber, sem ser nomeado, e assim foi", seguiu.

"O assessor de imprensa que foi nessa viagem não foi mais, porque não foi bem. Só para explicar como funcionam as coisas: eu cheguei no evento, e a gente fica exposta ali, disponível. Não deveria ser assim, deveria ser no mínimo organizado. Mas eu minimamente tentei organizar, porque eu conheço as pessoas. E aí cheguei lá dei uma entrevista para o Sportv e dei outra para outro veículo de imprensa e saí para ir embora. Só que um cara me parou ali, sem ninguém para fazer o anteparo. E aí chegaram mais umas 10 pessoas que não tinham me entrevistado. E eu estava muito incomodada porque estava sem máscara há horas e aquilo não estava me fazendo bem, porque tive covid e sempre me cuidei, sempre fui muito rigorosa com o uso de máscara. No momento não tinha ninguém para me proteger. Porque tem essa questão do começo de gestão e é isso, não é o mundo ideal, o mundo ideal é tudo programadinho, mas o mundo real é assim, as pessoas exigindo que tudo dê certo na hora, o que acontece normalmente. Então isso aconteceu ali."

"Pegaram aquele trecho para fazer um meme. Eu tive que sumir da internet, porque vinha a Ana Paula (também ex-jogadora de vôlei) e a turma do ódio me chamar absolutamente de tudo e ameaçar o IEE. Eu, para ir contra isso, não estou preocupada se eles acham que eu não sei falar, porque eu sei que isso não é verdade. O que eu tenho que fazer é isolar isso e fazer estratégia, estratégia de guerra de comunicação, e a gente vai aprendendo. E eu bloqueei todo mundo que comentou isso. Agora, onde estava a imprensa durante esses seis anos que não analisou direito figuras como a Ana Paula, né? Eu fiquei seis anos sozinha no contraponto estratégico. Eu não sou a única que sofre, mas ainda sou mais forte, como imagem, do que o próprio ministério, eu sou o anteparo disso tudo, mas a gente está aprendendo. Temos conversado muito sobre isso aí."

Nesses dois meses de gestão, a agora ministra tem sido firme em seus posicionamentos, e um deles gerou também polêmica: a declaração sobre os esports, os jogos eletrônicos, que Ana Moser não considera esporte, apesar do tamanho de um mercado que ganha cada vez mais adeptos, gera muito dinheiro e tem astros espalhados mundo afora. Mas não foi o único caso...

"Ainda sobre comunicação, confusão e polêmica existem outras, três pelo menos. Uma foi a sobre trans no esporte, que foi logo na primeira semana, que foi o (site) Poder360. Eu dei uma entrevista gravada, eles puseram uma fala que eu não disse na chamada da matéria escrita, clickbait para caçar audiência e abriu esse flanco, mas só a direita me atacou. Mas, no final, essa é uma questão muito mais polêmica do que isso, deve ser tratada com o devido respeito."

"A outra casca de banana foi o esports, que foi uma entrevista que eu dei, o tema veio à tona, um tema que precisa encaminhar, mas com certeza não só no esporte, e é por isso que eu não estou falando nada, porque é uma questão para ser tratada intersetorial e até hoje eu não consegui mobilizar as pessoas, aos poucos estou conseguindo. Não posso falar pelos outros, mas é um tema que vai caminhar, e de preferência longe do Ministério do Esporte, porque esports não é esporte", reafirmou.

"E o outro assunto é o futsal, que estourou na semana passada, que o COB tirou dos Jogos da Juventude e veio parar no ministério porque todo mundo veio falar com a gente. Culpa toda minha. A gente reclamou com o COB oficialmente, e eles responderam oficialmente sem responder à questão. Aí a gente está tentando resolver essa demanda e com quem. Por enquanto a gente só está tomando porrada, né? Porque as coisas não se resolvem do dia pra noite, tem a liturgia das coisas", finalizou Ana Moser.