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De Garrincha ao 'ataque mais famoso do mundo': as últimas lembranças em campo dos maiores parceiros de Pelé

Com Garrincha e Pelé, o Brasil nunca perdeu uma partida; ao lado Dorval, Mengálvio, Coutinho e Pepe, o Rei formou, no Santos, um dos ataques mais famosos e fantásticos da história do futebol


"Com Garrincha e Pelé, o Brasil inicia nesta terça-feira, 12 de julho de 1966, a luta pelo tricampeonato mundial de futebol". Foi assim, há 56 anos, que a imprensa iniciou a cobertura da seleção brasileira na Copa do Mundo, na Inglaterra. Sem nem sequer imaginar que o duelo com a Bulgária, em Liverpool, representava também a última exibição de Garrincha e Pelé juntos com a camisa canarinho.

A maior dupla da história do futebol mundial, que deu ao esporte brasileiro sua grandeza e dois de seus cinco Mundiais, despediu-se com vitória: 2 a 0, um tento de Pelé, no primeiro tempo, e outro de Garrincha, na etapa final. Foi a única vitória nacional na Copa do Mundo de 1966. A dupla deixou o campo de Liverpool sem pompa, sem festa, sem homenagens.

Nunca mais Garrincha e Pelé atuariam juntos em jogos oficiais - hoje, talvez, eles possam se reencontrar em algum lugar... A morte do Rei foi anunciada nesta quinta-feira (29), após um mês internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo.

Há mais de meio século, na segunda partida do Mundial, com Pelé machucado, somente Garrincha vivenciou a derrota para a Hungria (1 a 3), a única dele em jogos pela seleção. Na sequência, o ponta-direita perdeu lugar no time, mas mesmo com Pelé de volta houve novo fracasso. Revés por 3 a 1 para Portugal e eliminação na fase de grupos.

A torcida brasileira chorou a eliminação dos bicampeões mundiais de forma tão precoce e vergonhosa, mas bem que as lágrimas poderiam ter sido pelo fim da dupla Garrincha e Pelé. Eles, que começaram também em duelo contra a Bulgária, em 18 de maio de 1958, numa vitória por 3 a 1, no Pacaembu, despediram-se após 40 jogos, sem jamais perder. Durante esse período foram 35 vitórias e cinco empates.

Pelé tinha 25 anos. Ainda brilharia por mais tempo no Santos e daria o tricampeonato mundial para o Brasil em 1970, no México, antes de pendurar as chuteiras em 1977. Já Garrincha estava com 32 e não exibia o mesmo futebol dos tempos áureos de Botafogo. Tentava recuperar-se no Corinthians. Longe de ter sucesso, ainda jogaria por Flamengo e Olaria até parar de forma definitiva, em 1972.

Pelé e Garrincha em números

Os 40 jogos de Pelé e Garrincha

18/5/1958, Brasil 3 x 1 Bulgária, Pacaembu, São Paulo - Amistoso Pelé fez dois gols

21/5/1958, Brasil 5 x 0 Corinthians, Pacaembu, São Paulo - Amistoso Garrincha fez dois gols - os dois primeiros dele pela seleção

15/6/1958, Brasil 2 x 0 União Soviética, Nya Ullevi, Gotemburgo - Copa do Mundo - Estreia da dupla em Mundiais

19/6/1958, Brasil 1 x 0 País de Gales, Nya Ullevi, Gotemburgo - Copa do Mundo - Pelé fez um gol

24/6/1958, Brasil 5 x 2 França, Rasunda, Solna - Copa do Mundo - Pelé fez três gols

29/6/1958, Brasil 5 x 2 Suécia, Rasunda, Solna - Copa do Mundo - Pelé fez dois gols. Brasil campeão mundial pela primeira vez

21/3/1959, Brasil 4 x 2 Bolívia, Monumental, Buenos Aires - Sul-Americano - Pelé fez um gol

26/3/1959, Brasil 3 x 1 Uruguai, Monumental, Buenos Aires - Sul-Americano

29/3/1959, Brasil 4 x 1 Paraguai, Monumental, Buenos Aires - Sul-Americano - Pelé fez três gols

4/4/1959, Brasil 1 x 1 Argentina, Monumental, Buenos Aires - Sul-Americano - Pelé fez um gol

29/4/1960, Brasil 5 x 0 Egito, Mahmoud Mokhtar, Cairo - Amistoso - Garrincha fez um gol

1/5/1960, Brasil 3 x 1 Egito, Iskanderia, Alexandria - Amistoso - Pelé fez três gols

6/5/1960, Brasil 3 x 0 Egito, Mohamed Hassan Helmi, Cairo - Amistoso - Garrincha fez um gol

8/5/1960, Brasil 7 x 1 Malmö, estádio do Malmö, Malmö - Amistoso - Pelé fez dois gols

10/5/1960, Brasil 4 x 3 Dinamarca, Idräts Parken Copenhague - Amistoso

12/5/1960, Brasil 2 x 2 Inter de Milão, San Siro, Milão - Amistoso - Pelé fez dois gols

16/5/1960, Brasil 4 x 0 Sporting, José Alvalade, Lisboa - Amistoso - Garrincha fez um gol

21/4/1962, Brasil 6 x 0 Paraguai, Maracanã, Rio de Janeiro - Taça Oswaldo Cruz - Pelé e Garrincha fizeram um gol cada um

24/4/1962, Brasil 4 x 0 Paraguai, Pacaembu, São Paulo - Taça Oswaldo Cruz - Pelé fez dois gols

6/5/1962, Brasil 2 x 1 Portugal, Pacaembu, São Paulo - Amistoso

9/5/1962, Brasil 1 x 0 Portugal, Maracanã, Rio de Janeiro - Amistoso - Pelé fez um gol

12/5/1962, Brasil 3 x 1 País de Gales, Maracanã, Rio de Janeiro - Amistoso - Pelé e Garrincha fizeram um gol cada um

16/5/1962, Brasil 3 x 1 País de Gales, Pacaembu, São Paulo - Amistoso - Pelé fez dois gols

30/5/1962, Brasil 2 x 0 México Sausalito, Viña del Mar, - Copa do Mundo - Estreia do Brasil no Mundial do Chile. Pelé fez um gol.

2/6/1962, Brasil 0 x 0 Tchecoslováquia, Sausalito, Viña del Mar - Copa do Mundo - Pelé se machucou e ficou fora dos demais jogos do bicampeonato mundial

2/6/1965, Brasil 5 x 0 Bélgica, Maracanã, Rio de Janeiro - Amistoso - Ano que marcou o retorno de Garrincha para a seleção. Pelé fez três gols

6/6/1965, Brasil 2 x 0 Alemanha Oc., Maracanã, Rio de Janeiro - Amistoso - Pelé fez um gol

9/6/1965, Brasil 0 x 0 Argentina, Maracanã, Rio de Janeiro - Amistoso

17/6/1965, Brasil 3 x 0 Argélia, Municipal, Oran - Amistoso - Pelé fez um gol

24/6/1965, Brasil 0 x 0 Portugal, Das Antas, Porto - Amistoso

4/7/1965, Brasil 3 x 0 União Soviética, Imeni Vladimir Lenin, Moscou - Amistoso - Pelé fez dois gols

1/5/1966, Brasil 2 x 0 Seleção Gaúcha, Maracanã, Rio de Janeiro - Amistoso

19/5/1966, Brasil 1 x 0 Chile, Maracanã, Rio de Janeiro - Amistoso

4/6/1966, Brasil 4 x 0 Peru, Morumbi, São Paulo, - Amistoso - Pelé fez um gol

8/6/1966, Brasil 2 x 1 Polônia, Maracanã, Rio de Janeiro - Amistoso - Garrincha fez um gol

21/6/1966, Brasil 5 x 3 Atlético de Madri, Santiago Bernabeú, Madri - Amistoso - Pelé fez três gols

30/6/1966, Brasil 3 x 2 Suécia, Nya Ullevi, Gotemburgo - Amistoso

4/7/1966, Brasil 4 x 2 AIK, estádio Olímpico, Estocolmo - Amistoso - Garrincha fez um gol e Pelé fez dois gols

6/7/1966, Brasil 3 x 1 Malmö, estádio do Malmö, Malmö, - Amistoso - Pelé fez dois gols

12/7/1966, Brasil 2 x 0 Bulgária, Goodison Park, Liverpool - Copa do Mundo - Pelé e Garrincha fizeram um gol cada um

Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe

Se Pelé e Garrincha marcam o imaginário de qualquer brasileiro que ame o futebol, os nomes do ataque mais famoso do mundo fazem o mesmo com os torcedores do Santos. Lembrados até hoje, eles estiveram em campo juntos, como titulares, exatamente 99 vezes, a última delas há quase 57 anos.

O jogo do adeus ocorreu em 9 de janeiro de 1966, um domingo, na cidade de Abidjan, na Costa do Marfim, no estádio Félix Houphouët-Boigny. O Santos goleou o Stade Club Abidjan por 7 a 1, mas ficaram poucas memórias daquele confronto.

"Sempre foi visto como mais um jogo do Santos de Pelé, mais uma goleada. Agora ele ganhou valor porque de fato foi o último compromisso que reuniu Dorval, Mengálvio Coutinho, Pelé e Pepe como titulares pelo Santos", diz Guilherme Guarche, responsável pelo departamento de memória e pesquisa do Memorial do Santos em 2016, e que teve auxílio do pesquisador Gabriel Santana no levantamento de dados do ataque.

A goleada, como diz Guarche, foi mais uma na vida do Santos. Naquela época elas eram muito comuns. Com o quinteto em campo, o Santos marcou 327 gols, sendo que a linha de frente foi responsável por 295 tentos (90%).

A viagem também não representou nada grandioso. Juntos, o quinteto já havia viajado pelas Américas, Europa, África e Ásia. Ganharam todos os títulos que disputaram pelo clube, incluindo a Conmebol Libertadores e o Mundial. Eram famosos e idolatrados, mas a despedida ocorreu sem pompa alguma e de forma inesperada.

De fato, aquela partida parece pouco importante perto de tudo que o quinteto obteve na história santista. E as memórias daquele duelo são escassas. Sabe-se que o Santos jogou perante 30 mil pessoas. O curinga Lima abriu o placar no 7 a 1 e Coutinho, Pelé e Pepe, com dois gols cada um, completaram o placar.

Não há imagens daquele jogo. Os jornais "Folha de S. Paulo" e "O Estado de S. Paulo" registraram notícias apenas na edição do dia 11. Citam o placar, os autores do gol, mas o foco das publicações é o retorno da delegação santista ao Brasil.

"Até hoje não apareceu no mundo um ataque em que os cinco jogadores tiveram em suas melhores formas técnicas e físicas, na mesma época. Essa é uma das razões de eu ter me tornado o maior artilheiro do mundo em todos os tempos com mais de 1.000 gols".

Pelé, para a ESPN

Já o carioca "Jornal do Brasil" tem alguns detalhes. Cita que Pelé, chamado de "Le Roi", "O Rei", chorou tamanha a emoção que sentiu ao ser recebido pela população local. E que os tentos foram obtidos de maneira muito fácil, uma vez que a defesa rival era fraca.

Um dos registros daquela partida foi feito por Pepe, que anotou os dados em um caderno (hoje, o material está no Memorial santista). Ele anotou que aquela vitória por 7 a 1 representou o jogo de número 666 dele pelo Santos e que durante a partida um dos gols feitos por ele foi olímpico, isto é, em cobrança de escanteio.

"Eu fiz quatro gols olímpicos em toda a minha carreira. Um deles foi naquele jogo. Foi o último daquela goleada, mas jamais imaginei que seria aquele o jogo de despedida do nosso ataque. Recordo algumas coisas daquela partida. Lembro que nos contaram que a equipe deles era muito boa e por isso decidimos definir o jogo o quanto antes. Com dez minutos o Lima abriu o placar", relembra o ex-ponta esquerda.

"Honestamente, eu jamais lembraria que a despedida do nosso ataque foi naquele jogo. Foi em 1966? Eu não lembro nem o que comi ontem", brinca o ex-meia direita Mengálvio. "Eu lembro apenas da viagem e que as pessoas fizeram muita festa para nosso time. Lembro que tinha uma banda ao lado do campo e que tocou uma música o jogo inteiro, mas não lembro de outros detalhes".

Apesar da fama, o quinteto santista jogou poucas vezes juntos. De 1960, quando foram titulares pela primeira vez, a 1966, foram 99 partidas, com 71 vitórias, nove empates e 19 derrotas (aproveitamento de 76,6%), com 327 gols marcados e 158 sofridos.

A formação do quinteto

O ataque dos sonhos, como aquela escalação é chamada pelos santistas, foi formada na temporada de 1960, cinco anos após o Santos voltar a ser campeão estadual e dar início ao período mais vitorioso e mais famoso de toda a sua história.

O ano de 1960 marcou a contratação do então meia-direita Mengálvio, que era natural de Barriga Verde-SC e jogava pelo Aimoré-RS. Do quinteto, ele foi o último a chegar.

"O primeiro nome do quinteto a jogar pelo Santos foi o Pepe. Ele chegou ao Santos em 1954 e no ano seguinte já assumiu a condição de titular", explica o historiador Guilherme Nascimento, autor do livro "Almanaque do Santos FC".

Ponta esquerda, Pepe começou na base do Santos e nunca defendeu outro clube. Aposentou-se em 1969 e depois virou técnico. "Ele é uma lenda dentro do Santos. Só é superado em número de jogos (750) e gols (405) pelo Pelé", completa Nascimento.

"Eu tive sorte de jogar num Santos que era fantástico, ao lado desses caras que eram todos craques. Foram tantos jogos que fizemos... Esse ataque é falado em todo os lugares até hoje. Quem me encontra faz questão de escalar a nossa linha. É muita felicidade pra mim começar o ataque pelo meu nome, sempre serei lembrado por isso".

Dorval, para a ESPN

Em 1956, outros dois integrantes do quinteto apareceram. O ponta direita Dorval foi contratado do Força e Luz, time de Porto Alegre, e Pelé, que viera de Bauru para a base santista. Reservas no primeiro ano, ambos viram titulares em 1957.

"Dorval chegou ao Santos prestes a completar 21 anos. Mas ele era o patinho feio dos cinco atacantes. Foi o único que nunca jogou uma Copa do Mundo, embora tenha sido convocado algumas vezes para a seleção. Já Pelé não necessita de explicações. Ele foi um fenômeno desde quando chegou ao Santos, com 15 anos", relembra Nascimento.

"A primeira vez em que vi o Pelé foi na barbearia do Espanhol. O Waldemar de Brito o apresentou e pediu pra que cuidasse daquele menino. Eu disse que ia ajudar o máximo possível, o Pelé estava tomando refrigerante e deu um aperto de mão tão forte que eu pensei: 'Esse moleque tem vontade mesmo' (risos)", recordou-se Pepe.

Coutinho, que chegou ao Santos com 14 anos, passou a fazer parte do time em 1958 após impressionar o técnico Lula. "Ele faz o primeiro jogo com 15 anos. Há uma história curiosa, talvez uma lenda, que diz que para o Coutinho poder jogar a noite o Santos tinha de pedir autorização para o juizado de menores. Ele entra no time em 1958 e em 1959 já é praticamente titular, disputando a vaga com o Pagão", conta Nascimento.

Mengálvio, o último a chegar ao Santos, não era exatamente um iniciante no futebol, como os companheiros. Segundo o historiador, o meia direita chegou com prestígio porque defendeu a seleção brasileira durante o Campeonato Pan-Americano, na Costa Rica (não confundir com os Jogos Pan-Americanos), e tinha sido vice-campeão no Rio Grande do Sul ao disputar a final pelo pequeno Aimoré contra o Grêmio.

"Naquela época o Santos sempre estava de olho em revelações com custo baixo e foi assim que achou o Mengálvio, que chegou e já virou titular", diz Nascimento.

Do quinteto, Pelé é o terceiro a falecer. Coutinho morreu março de 2019, enquanto Dorval nos deixou em dezembro de 2021. Mengálvio e Pepe têm, respectivamente 83 e 87 anos.

QUINTETO EM AÇÃO PELO SANTOS
1960: 11 jogos, 8 vitórias, 2 empates, 1 derrota, 32 gols pró, 15 gols contra
1961: 40 jogos, 30 vitórias, 5 empates, 5 derrotas, 149 gols pró, 57 gols contra
1962: 13 jogos, 12 vitórias, 0 empate, 1 derrota, 48 gols pró, 20 gols contra
1963: 21 jogos, 12 vitórias, 1 empate, 8 derrotas, 57 gols pró, 44 gols contra
1964: 4 jogos, 2 vitórias, 0 empate, 2 derrotas, 9 gols pró, 10 gols contra
1965: 9 jogos, 6 vitórias, 1 empate, 2 derrotas, 25 gols pró, 11 gols contra
1966: 1 jogo, 1 vitória, 0 empate, 0 derrota, 7 gols pró, 1 gol contra
*Fonte: Almanaque do Santos FC


*Com base em textos publicados em 2016