Entrei pela porta automática do Bazar de Bagdá, loja de trading card games (TCG) na Zona Norte de São Paulo. Um dragão de quase dois metros de altura me recebeu na entrada — a réplica de Nicol Bolas decora os primeiros metros do Bazar, homenageando uma das figuras mais icônicas do Magic: The Gathering, principal entretenimento da loja e ponto de partida para as histórias que a cercam.
De uma porta de madeira sob o lustre envolto de cartas de Magic, Willy Edel saiu para me cumprimentar. O dono e CEO do Bazar de Bagdá vestia a camisa da Bazar Gaming, seu time de esports criado há cerca de um ano, e não chamava a atenção das poucas dezenas de jogadores que visitavam sua loja em uma quarta-feira a tarde.
Em termos de LoL, pode-se dizer que foi o equivalente ao brTT me receber com um sorriso na loja da Rexpeita; ou, melhor ainda: FalleN, tricampeão mundial de CS:GO, me receber na sede da Gamers Club ou do grupo FalleN. Exceto que, bem, os dois astros de suas modalidades demorarão entre cinco a dez anos para terem a experiência que o veterano do Magic tem.
Willy Edel começou a jogar Magic em 1997, com 17 anos. A identificação com o jogo e o intenso espírito competitivo o levaram ao topo do ranking nacional e, posteriormente, ao Pro Tour, circuito disputado por ele a partir de 2000.
Desde então, foram 44 Pro Tours, sete campeonatos mundiais, incontáveis Gran Prix, uma nomeação ao Hall da Fama do Magic e mais de 174 mil dólares conquistados, sozinho, em premiação. Pro player antes de existir o termo ‘pro player’ — ou esports que o caracterizassem como tal —, Willy conciliou sua vida com o jogo ao se formar em estatística e formar sua família, além de ter interrompido um mestrado e deixado um emprego fixo na Shell pelo ímpeto de ser profissional de Magic: The Gathering. E deu certo.
Sua história como competidor, no entanto, torna-se segundo plano quando o Bazar de Bagdá, a Bazar Gaming ou o LATAM Pro Series protagonizam a conversa. A loja de TCG tornou-se rede, com três unidades em São Paulo e expansão prevista para o Rio de Janeiro e o Paraná, além de palco da liga latino-americana de MTG; e a marca tornou-se um time de esports com atletas em três modalidades.
Ao estar frente a frente com Willy, o respeito por seus feitos era absoluto — mas algo ali me dizia que não era aquilo que deveria ser abordado naquela conversa. Sua história está a uma pesquisa no Google de distância. Seus aprendizados, não.
A conversa viajou e papeamos sobre os cenários competitivos de League of Legends, Counter-Strike e outros jogos. ‘Lolzeiro’ de carteirinha e fã do CBLoL, o veterano do Magic tinha propriedade no assunto — mas não por isso. Willy sabe o que é ser atleta de esports desde antes da popularização dos esports.
“No Magic, a gente tem um jogo organizado há 27 anos, existe Mundial de Magic há 27 anos. No LoL, existe há 10, que é até bastante; no Fortnite e Free Fire existe há um. Então a gente tem muito a falar, de experiência, carreira de jogador, gerenciamento de time…”, afirmou Willy.
De coração aberto, o campeão e empresário de MTG confidenciou ao ESPN Esports Brasil o que aconselharia a novos jogadores profissionais de qualquer modalidade. “Eu aprendi apanhando”, confessa, com um sorriso. “Mas isso pode ser evitado.”
1. “Não se esqueça de onde você saiu”
Willy não pensa muito antes de formular o primeiro conselho. “O principal é o jogador não esquecer de onde ele saiu”, inicia. “O amigo que você tinha antes de ficar famoso é o amigo que você vai ter [depois]. Quem acreditou em você antes de você ganhar dinheiro é a pessoa com quem você vai contar”, crava.
Ele relata que isso ocorre desde amizades até times, patrocínios e parceiros de treino. “E é muito fácil se deslumbrar com a fama… O cara que é melhor do mundo te chama pra treinar com ele, você vai lá e deixa de treinar com as pessoas com quem você treinava. O problema não é ir: é não voltar, ou voltar de nariz em pé. Esquecer sua base.”
“A carreira de todo mundo tem altos e baixos”, garante Willy. “Quando sua carreira estiver no baixo, aquele cara não vai ligar para você. E o que você ‘abandonou’ pode estar bem por si mesmo, ou pode ter se magoado contigo e ter cortado uma relação que era boa.”
“Você pode treinar com pessoas melhores, pode ter patrocínio, mas lembra de onde você veio, como chegou ali, das pessoas que te ajudaram. E isso não é pagar um jantar para a pessoa ou sei lá: é sobre não se esquecer de onde você veio. Se hoje você está vencendo, tem stream com 50 mil pessoas, está ganhando milhares de reais por mês jogando, lembra de quem te ajudou a comprar um computador, quem fez seu primeiro layout de stream”, aconselha o ex-jogador.
Ele cita a história de Paulo Vitor (PVDDR), campeão mundial de Magic que iniciou sua carreira jogando trio com Willy, entre 2000 e 2005. “Sempre jogamos juntos. Tivemos convites pra outros times, mas sempre foi ‘se vai um, vão os dois’. Em 2007, eu saí do circuito porque tava trabalhando, tinha família; três anos depois, eu voltei e ele tava no auge, no melhor time do mundo, e me chamou para treinar com eles. Ele não esqueceu de onde ele veio, sabe de todas as dificuldades que teve. (...) E olha o que ele se tornou”, crava.
2. “Saiba ganhar”
“Perder é moleza”, inicia, “até porque você perde muito mais do que ganha. Você joga um torneio com um campeão e nove perdedores. Não é difícil saber perder: o problema é saber ganhar”, crava.
Willy afirma que é simples para um time campeão ir mal na temporada seguinte. “O pessoal fica de salto alto, e acha que não precisa mais treinar, se esforçar, passar 20 horas estudando o jogo. É difícil ter longevidade no topo.”
“Saber perder gera histórias legais. A pessoa perde, fala com psicólogo, com coach, aprende coisas novas, muda de estratégia e volta a ganhar”, sugere. “Tem muita gente que não sabe perder, também — mas saber ganhar é mais difícil. Não menosprezar quem perdeu; não é porque o time perdeu que ele é horrível. Sempre dá para aprender com quem perdeu”, defende o veterano.
3. “Mantenha a fome”
O terceiro conselho é uma conclusão do segundo. “Você tem que manter a fome”, enfatiza Willy.
Ele refere-se à motivação para continuar no topo. “Tem um ditado que se usa muito no futebol, que diz que ‘você nunca pode ser o leão saciado, e sim a leoa faminta’”.
“Se você não está satisfeito, talvez não seja mais a hora de ser jogador profissional”, crava. “Você pode ficar na coaching staff, pode ser criador de conteúdo. Não tem nenhum problema com isso, se tudo o que você queria ganhar você já ganhou, se você sente que é seu limite, que você já deu seu máximo”, sugere.
4. “Separe a vida pessoal da profissional”
O ex-campeão de Magic recomenda, por sua experiência, que jogadores profissionais tenham “equilíbrio entre a prática e a vida pessoal”. Willy diz: “É seu hobby, você gosta, se diverte, é bom. Mas você tem que tratar como trabalho”.
“Eu falo isso meio de cadeira, porque sou um cara workaholic. Foi por isso que eu parei de jogar, inclusive”, confessa, contando que se absteve de momentos importantes na sua vida por dedicar-se demais ao game. “Parei de fazer tudo: não fui em aniversário de casamento, aniversário do meu filho, várias coisas, porque estava treinando, viajando. Algumas coisas são inevitáveis, mas muitas são evitáveis”, defende.
Pelas ausências que experienciou ao longo de sua carreira, ele aconselha a jogadores que separem seu tempo de descanso de seu tempo de trabalho, e que não misturem jamais as duas coisas. “Se você consegue treinar 12h por dia sem burnout, treine. Não tem problema, se você consegue e seu jogo demanda. Aí você dorme 8, e usa as outras 4 para descansar”, sugere.
“Não tem problema nenhum [em desconectar]. Não tem nada de errado. Você pode comer sem pensar no jogo”, exemplifica. “Você não precisa estar no jogo o tempo todo. Esse tempo faz bem para você, porque quando você volta, até saudade do jogo você tem”, garante, com um sorriso.
5. “Cuidado com redes sociais”
Ainda sobre conciliar as duas principais esferas de sua vida, Willy passa a citar postura na internet: “Não é porque você tem rede social que você precisa twittar todo dia, ou ter uma opinião sobre tudo — principalmente sobre coisas que você não conhece”.
O ex-jogador aconselha que jogadores foquem seu conteúdo em mídias sociais na “parte profissional”, e que evitem falar sobre a vida pessoal mais do que o necessário. “Se você monta decks legais, por exemplo, cria conteúdo sobre o jogo. Não fica falando da sua vida pessoal, do que você vai jantar, do seu namorado ou namorada”, brinca.
Ele justifica: “Porque quando sua fanbase invade sua vida pessoal, você não tira mais. Você perde o controle da sua vida. E aí você tem que dar cada vez mais satisfação — e se você está gastando muito tempo com isso, você perde tempo de jogo. É sobre equilíbrio”, reforça.
6. “Suor vale muito mais do que talento”
Willy Edel ressalta a importância do trabalho duro em suas conquistas e na vida de qualquer profissional. “Trabalho duro supera talento, igual o Rock Lee [do Naruto]?”, questiono, brincando, e ele concorda: “É isso mesmo”.
“Isso é mais para jogos que não exigem mecânica, porque mecânica não tem muito como aprender, você no máximo aperfeiçoa”, opina. “Mas em muitos jogos, como Hearthstone, Magic, etc, você consegue melhorar. É o meu grande mote.”
O ex-jogador relembra sua história ao argumentar sobre seu conselho. “Eu acho que eu sou a prova viva de que o suor faz qualquer coisa”, reflete. “Eu comecei a jogar mais tarde, joguei meu primeiro Pro Tour em 2000. Eu tinha 26 anos. Já comecei formado na faculdade… era muito fácil lidar como hobby, eu já trabalhava. Mas eu pensava ‘não, eu quero isso aqui’”, resgata.
Ele prossegue. “Deixei mestrado de lado, larguei trabalho e fui fazendo tudo porque queria isso. Obcecado, com limite, mas treinando sem parar. Trabalhava, chegava em casa e jogava, virava madrugada, pegava horário de almoço no trabalho e ficava lendo [sobre Magic].”
“O suor faz muita coisa”, repete. “No LoL e no CS tem um limite, claro. Mas se você tiver 12 horas por dia para treinar, não dá pra você se contentar com 10. Você sempre vai ter o que aprender, seja técnica, teoria, ver um vídeo de outro lugar [do mundo] para aprender algo diferente”, sugere.
“Acima de tudo, eu vejo o público brasileiro de games como um povo que tem potencial pra conseguir qualquer coisa”, crava Willy. “O brasileiro tem representante na Olimpíada de Inverno, sabe. Snowboard, Bobsleigh, sacou. A nossa gente é um Jamaica Abaixo de Zero real, a gente faz tudo, não tem neve e tem gente lá”, brinca, deixando escapar o sotaque carioca.
Em um sorriso, o ex-jogador finaliza seus conselhos, com a experiência de um veterano e a intenção de quem se importa e acredita no cenário de esports e em seus novos personagens.