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Professores do Brasil: como 'estrada da morte' viu nascer projetos que transformam vidas através do atletismo

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Obcecado pela transformação social através do esporte, professor lidera construção de 'Oásis do Atletismo' em pátio de escola pública (3:12)

Erivan Carneiro, 'com muito suor e uma dose de loucura', contou com ajuda de alunos e outros professores (3:12)

Percorrer a BR-116, que separa os estados de São Paulo e Paraná e conhecida como “Rodovia da Morte”, nunca foi uma das viagens mais seguras para os milhares que a percorrem diariamente. O processo de duplicação e modernização da estrada aliviou o número de acidentes, mas eles ainda acontecem - e alguns são fatais.

Miracatu e Cajati são duas cidades que convivem com essas histórias. Mas são também as terras, respectivamente, de Júlio Cesar da Costa e Erivan Mota Carneiro, dois professores de escola pública que transformam vidas juntando o esporte e educação.

São dois exemplos de histórias que a ESPN acompanhou na série de reportagens especiais “Professores do Brasil: atletismo”, que estreia neste sábado (29), às 17h (de Brasília) e estará disponível no Star+ (clique aqui para assistir).

Ambos professores são praticamente anônimos para o grande público brasileiro, mas não no meio do atletismo, modalidade na qual desenvolvem trabalhos de excelência, que poderia ser referência para políticas públicas de esporte no Brasil.

Aos 55 anos, Júlio atua na única escola estadual de ensino público e integral de Miracatu, no Vale do Ribeira, como professor de educação física e também de literatura. Na sala de aula, ele desvenda grandes escritores brasileiros; na quadra, seu olho clínico observa possíveis talentos para as mais diversas modalidades do atletismo.

Na parte da tarde, na cidade vizinha Juquiá, ele mesmo desenvolve um trabalho de lapidação de jovens atletas de 12 a 20 anos para a seleção brasileira de atletismo.

Júlião, além de professor, é poeta e escritor. Foi atleta do salto triplo e mestre de outros grandes nomes do atletismo da região, como o também saltador Rogério Bispo.

“Esta escola é a minha vida, foi aqui que eu estudei, todo o meu percurso acadêmico eu fiz aqui, desde a primeira série até o ensino médio. E agora retornei como professor de língua portuguesa e de educação física na escola que me projetou para o esporte, que me projetou para todo o meu protagonismo”, disse o professor, declara do amor à Escola Estadual Armando Gonçalves, onde conheceu o atletismo.

Já a história de Erivan pode ser definida como aquelas de “maluco” - do bem, é claro. Ele saiu da Baixada Santista, no litoral, em direção a Cajati, cidade distante 230 km da capital paulista, para ser professor de educação física em escola pública na Vila Tatu, exatamente no meio da “Rodovia da Morte”. Para quem conhece, o local é muito próximo à Serra do Azeite, onde muitos caminhões abusam da velocidade e tombam nas sinuosas e traiçoeiras curvas.

Muitos pais e alunos do professor Erivan sobreviveram a esses tombamentos e viram sua chegada resultar na implantação de um inimaginável projeto de transformação humana através do atletismo.

À época, muitos nem tinham ideia do que era o atletismo, um dos esportes mais democráticos do mundo. Mas Erivan chegou para dar aula e reparou que, no pátio da escola, não existia quadra. Nada verdade, havia pouco além de mato. Foi aí que ele teve a brilhante e inusitada ideia: “Vamos construir uma pista de atletismo aqui”.

Assim o “professor empreendedor” reuniu alunos, pais, professores, direção da escola e toda a comunidade num só objetivo, de tornar aquele espaço, antes um terreno baldio dentro da própria escola, em lugar democrático e sagrado para o desenvolvimento da prática do atletismo. Mas, mais que isso, onde a formação do caráter do aluno transformaria toda uma cultura da região.

“Erivan é outra grande pessoa, outro grande sonhador, e referência do atletismo escolar. Hoje nós somos parceiros da mesma equipe, a ADV do Vale, que é uma equipe da Federação Paulista e da Confederação, que dão oportunidade para a gente competir em competições oficiais. É a primeira equipe do Vale de todo esse tempo. E eu aprendi muita coisa com o Erivan, também essa relação nossa de troca, de vários eventos juntos… A gente faz os nossos campings aqui, os atletas vêm, treinam conosco; vamos lá, treinamos com eles. Fazemos essa troca de experiência e fortalecemos o atletismo regional”, continuou Júlio.

“Tem um verso do Milton (Nascimento) que fala, e o Erivan é exatamente isso, um vendedor de sonhos. ‘Vendedor de sonhos/Tenho a profissão viajante/De caixeiro que traz na bagagem/Repertório de vida e canções/E de esperança/Mais teimoso que uma criança”, encerrou.

Enquanto Erivan faz cidadão e atletas na Vila Tatu, sua esposa, Rose de Jesus, vende bananas na BR-116, sonhando em um dia ver o marido ter o devido reconhecimento pela verdadeira obsessão que carrega na formação de atletas e cidadãos.

“Uma vez ele pegou o nosso carrinho, antigo e surrado, colocou uma atleta com o pai dela a bordo e pegou a BR dirigindo 12 horas sem parar até Porto Alegre para que sua aluna participasse de uma competição nacional. Valeu a pena, apesar de pouco apoio e reconhecimento. A aluna ficou entre as 10 melhores do país, mas e ele? O que ele ganha com isso?”, questionou.

“Sempre achei que nunca iriam fazer uma reportagem com ele, por exemplo, como vocês estão fazendo. Acho que esse reconhecimento começa a partir de agora, pois ele pode ajudar a desenvolver projetos de esportes e políticas públicas de esportes para o Brasil inteiro, né? Vejo que tudo começa a valer a pena, pois imagina se ele tivesse condições ideais de realizar um grande trabalho, né? Ele merece esse reconhecimento pela dedicação de 17 anos praticamente no anonimato”, desabafou a companheira inseparável do professor mais empreendedor do atletismo brasileiro.

No especial “Professores do Brasil”, você vai entender como os professores Júlio César e Erivan conseguem “tirar leite de pedra”, superando várias das dificuldades impostas a quem é professor de escola pública. Vai ver também como é possível revelar talentos, lapidar pérolas preciosas para o esporte e para outras profissões, tudo com a milagrosa junção do esporte e a educação.

A melhor notícia é que esses “professores do Brasil” não estão sozinhas, mas sim acompanhados de outros protagonistas que fazem a diferença nas quadras e campos de escolas públicas com outros esportes olímpicos, como tênis, handebol, basquete, vôlei ou lutas… Mestres que ensinam e também vão muito além.