Não é fácil conciliar a vida de estrela do mundo pop com a exigente carreira de jogador de futebol profissional. Não são poucos os casos dos que se perdem nesse caminho duplo, e quando isso ocorre a regra é vermos a celebridade triunfando sobre o atleta, cujas exigências físicas são bem maiores.
Não foi o que aconteceu com David Beckham, como mostram os quatro episódios – com cerca de uma hora cada – da minissérie Beckham, disponível na Netflix, onde se constata que o apreço do inglês por holofotes não diminuiu seu tamanho como atleta, pelo contrário.
Primeiro, é bom que se diga o óbvio, contestado por muitos durante anos: Beckham foi um ótimo jogador, como comprovam os registros de suas partidas, as camisas que vestiu, os títulos que conquistou e os prêmios que recebeu em seus 20 anos de carreira.
Contudo, apesar das dezenas de cobranças de faltas e inversões de jogo impecáveis exibidas no documentário, Beckham não foi nem de longe um fenômeno técnico como alguns dos companheiros com quem jogou– Zidane e Ronaldo, por exemplo.
Como muitas séries que abordam a vida e carreira de esportistas, além da simplificação cronológica para atrelar bons e maus desempenhos aos fatores que convêm ao roteiro (recheado de temas pessoais), o documentário carrega de tons épicos algumas atuações e partidas do meia.
Ao mesmo tempo, os episódios retratam de forma ampla e bem documentada diversos dos aspectos negativos e positivos aos quais são submetidos os jogadores de futebol que ambicionam, por vaidade ou dinheiro, tornar-se também uma estrela do mundo pop – e nos tempos atuais eles não são poucos...
Esportivamente, Beckham sofreu por ser bonito e vaidoso, por vestir o que vestia, por casar com quem casou, por comportar-se como uma estrela. Não fosse tudo isso, por exemplo, ele não teria sido forçado a deixar o clube que amava. Não teria recebido um volume insano de críticas por uma expulsão (exagerada) na Copa do Mundo de 1998. Não viveria sob constante desconfiança.
Mas Beckham vingou.
Vingou por uma resiliência incomum para um astro já consolidado e bem mais característica em um jogador operário – que David Beckham também foi, graças à influência de um pai mais rígido e crítico do que afetuoso e protetor, outro aspecto muito bem retratado no documentário.
Vingou por saber explorar aquilo que, dentre os jogadores de sua época, só ele tinha. Porque, por melhor que Beckham fosse em campo, fica claro o quanto o Real Madrid, ao contratá-lo atendendo ao seu pedido, não buscava um jogador de futebol necessário para o time, mas sim uma marca que pudesse fazer o clube lucrar ainda mais – como de fato ocorreu.
À distância de anos dos episódios relatados, as falas por vezes emocionadas do próprio Beckham – que antes víamos interpretando um personagem e não falando tão abertamente –, somadas à rara sinceridade nas entrevistas de técnicos renomados como Alex Ferguson e Fábio Capello tornam o documentário um retrato interessante sobre bastidores do futebol em um caso incomum na modalidade.
Um caso no qual um jogador conseguiu potencializar sua carreira esportiva por agir como celebridade.