Neste final de semana, os quatro times participantes das semifinais da Segunda Etapa do Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLoL) 2020 foram definidos. Enquanto paiN, INTZ e KaBuM conquistaram suas vagas sem sufoco, o quarto espaço foi decidido no último jogo, e ficou com a Prodigy.
O mérito da PRG é incontestável pela crescente do time no campeonato — mas a surpresa, para o cenário e para a torcida, foi a não-classificação do Flamengo. O rubro-negro dependia apenas de si mesmo: se vencesse o Santos, se classificaria. A vitória não veio.
Assim, o Flamengo finalizou seu terceiro ano no cenário oficial em sexto lugar no CBLoL. O time nunca figurou abaixo do segundo lugar, desde a campanha no Circuito Desafiante, por onde conquistou a vaga na primeira divisão. Vendo os 4 vices e o título em 2019, o sexto lugar deixa nítida a má fase rubro-negra nos esports.
Mas o resultado não vem do nada, tampouco tem como único culpado o elenco contratado pelo time para a temporada vigente.
O Flamengo Esports passa por polêmicas em seus bastidores desde o fim de 2019, que marcou o encerramento da parceria de licenciamento com a Go4it. Da fala “não confio no projeto”, declarada pelo atirador brTT, ao “queimar dinheiro” de Jed Kaplan, entenda todos os fatos que envolveram a trajetória rubro-negra nos esports em 2020.
“NÃO CONFIO NO PROJETO”
Primeiramente, é importante ressaltar que o projeto de esports do Flamengo não é gerenciado pelo Clube de Regatas, e sim por empresas terceirizadas que utilizam a marca rubro-negra.
A primeira responsável pela administração flamenguista no League of Legends foi a Go4it, que tomou conta do projeto entre 2017 e 2019. A startup de entretenimento é responsável por marcas como o Prêmio Esports Brasil e a Final Level, e gerenciou também o Submarino Stars em sua passagem pelos esports.
Durante a gestão da Go4it sobre o Flamengo, o time teve como atleta o atirador Felipe “brTT” Gonçalves, maior nome do League of Legends brasileiro e assumidamente flamenguista. Contando também com Evrot, esA, SirT e o coreano Jisu, o time foi líder no Circuito Desafiante, perdeu na final para a Ilha da Macacada Gaming e obteve a vaga no CBLoL pela série de promoção.
Em entrevista ao Mais Esports em 2018, o então vice-presidente de marketing do Clube de Regatas do Flamengo, Daniel Orlean, explicou que a intenção era que o projeto de esports fosse autossustentável desde o princípio, ou seja, não utilizasse fundos do clube e nem da empresa responsável pelo gerenciamento.
“O investimento inicial, que era na entrada no Circuito Desafiante, foi rapidamente pago pelos patrocinadores”, disse Orlean, na época. Em 2019, a camisa do Flamengo Esports continha marcas como Picpay, Bs2, Fusion, Samsung, Redragon e Twitch, e empresas como a Buser fizeram ações com a torcida utilizando a marca do Flamengo e fortalecendo financeiramente o time.
Durante a disputa da Segunda Etapa do CBLoL 2019, os indícios de mudança de gestão vieram a público, e as notícias não eram amigáveis. Apurações da ESPN e do SporTV indicavam que o Flamengo não tinha grandes intenções de prosseguir nos esports, e que as falhas em chegar ao título do CBLoL haviam acentuado o desgaste entre o clube, que havia mudado de presidência, e o time de LoL.
Robo, Shrimp, Goku, brTT e Luci, ao lado dos técnicos Corby e Reven, fizeram a lição de casa e venceram o CBLoL em uma final pegada com sede no Rio de Janeiro. Enquanto o time estava em Berlim no Mundial de League, os bastidores ferviam no Brasil, e notícias sobre as novas possíveis gestões eclodiam.
Meses antes, em julho de 2019, o Flamengo havia recebido — e recusado — uma proposta de licenciamento da Simplicity, empresa de esports norte-americana recém-criada que tem como dono Jed Kaplan, sócio minoritário do Memphis Grizzlies, franquia da NBA. O acordo previa 11 milhões de reais ao FLA como garantia mínima pelo uso da marca nos esports por cinco anos.
A Go4it não poderia continuar gerenciando o Flamengo Esports, pois se tornou investidora global da organização europeia de esports G2. A G2 faz parte da liga europeia de LoL (LEC), e, por conta do regulamento da Riot, uma empresa não pode fazer parte de dois times na primeira divisão de campeonatos oficiais de LoL, mesmo que em regiões diferentes.
Assim, a proposta de Kaplan foi revista. Com a Simplicity, um novo nome entrou na jogada: a Team One, organização brasileira de esports que havia sido campeã do CBLoL em 2017, mas rebaixada ao Desafiante duas vezes, nos dois anos seguintes. Por ter caído do CBLoL na Segunda Etapa de 2019, a Team One não poderia voltar ao campeonato na Primeira Etapa de 2020, de acordo com o regulamento da Riot.
Uma joint-venture [parceria de negócios] entre Simplicity e Team One foi firmada, e o acordo foi de que a Simplicity seria dona dos direitos do Flamengo, mas a administração em território brasileiro, por conta da falta de um centro de operações no Brasil, seria feita pela Team One. Em janeiro de 2020, a Simplicity One assumiu oficialmente o comando do Flamengo Esports.
Antes disso, no entanto, a escalação para a disputa do CBLoL 2020 teve de ser montada. O contrato com os jogadores do projeto anterior vencera em novembro de 2019 e, no ato, apenas Goku assinou com o novo projeto.
brTT, principal ídolo do time até então, deu um passo atrás e pronunciou-se publicamente sobre isso. “Eu nem sei mais se posso chamar de Flamengo ou se é só um time carregando o nome. Mas eu preciso ser fiel a vocês e dizer que não confio no novo projeto”, confessou o jogador. Sob duras críticas, o atirador deixou o Flamengo, e a nova equipe foi formada.
CRISE NO FLAMENGO?
Para a nova fase, o Flamengo Esports mantinha Goku, grande destaque no Mundial de LoL, e mudava peças importantes. O suporte coreano Luci retornava ao time ao lado do top laner WooFe, e o caçador Ranger, melhor jogador em sua posição, assumia a selva. O atirador Absolut, revelação de 2017 afastado por uma lesão, retornava em boa fase, com seu suporte Jojo como reserva, junto de outros 4 no time B.
A comissão técnica era assumida por Djoko, treinador veterano no cenário brasileiro; Reven, analista que também renovou; e o reforço estrangeiro Stardust como head coach. A temporada 2020 começou a todo vapor: em boa fase e com entrosamento vívido entre os cinco jogadores, o Flamengo teve um primeiro turno dominante.
Na primeira semana do CBLoL 2020, Fred Tannure, diretor da Simplicity One no gerenciamento do Flamengo — que veio do Clube de Regatas e era defensor ferrenho dos esports no clube multiesportivo — elogiou a estrutura cedida pela Team One ao rubro-negro, definindo-a como “padrão Flamengo”.
A pandemia do coronavírus Covid-19 chegou ao Brasil em março de 2020, e marcou o início de fortes desgastes nos bastidores do FLA Esports/Simplicity One. No início de abril, o time anunciou a dispensa de quatro reservas e do técnico Stardust, desfalcando o time em pontos importantes. No mesmo mês, o suporte coreano Luci retornava à Coreia do Sul por questões de saúde que envolviam graves preocupações com a pandemia.
Em entrevista à ESPN, o CEO da Simplicity, Jed Kaplan, justificou que as demissões eram para proteger a sustentabilidade a longo prazo do Flamengo. O CEO revelou ainda que, cerca de três meses após o início do CBLoL, a empresa não havia conseguido captar nenhum patrocínio para o time de esports, que possíveis parcerias saíram do radar por conta da pandemia e as consequências do Covid nos EUA afetaram o setor financeiro da Simplicity de forma que um corte de custos no Flamengo foi necessário.
O projeto, a esse ponto, passava longe de ser autossustentável. Luskka e wyLL foram recontratados, e Kaplan voltou a falar com a ESPN, revelando que o salário de Stardust era o maior em toda a equipe, e que o desfalque de Luci havia sido uma “surpresa”. Sem Luci, o time tropeçou com força no campeonato, perdendo colocações e tendo sua classificação às semifinais posta em risco.
Em meio a estas notícias, o Globo Esporte noticiou que a volta de Luci à Coreia do Sul era por conta de irritações sobre o Covid e a “crise no Flamengo”. A apuração, em meio a cobertura extensiva do portal sobre os bastidores do clube, irritou Kaplan, que dava início a uma série de posturas midiáticas exageradas ao chamar o jornalista Chandy Teixeira de “mentiroso” em um tuíte.
A este ponto, a relação entre Simplicity e Team One era seriamente abalada. Em 21 de abril, a ESPN noticiou que a parceria entre as duas empresas havia sido rompida. Atrasos de salários do elenco e falhas de gestão foram as razões encontradas — Simplicity acusava Team One de não fazer os repasses no tempo certo, enquanto a Team One afirmava que a responsabilidade administrativa era da Simplicity.
A partir daí, a organização norte-americana assumia sozinha o comando do time, mesmo sem estrutura no Brasil. A Team One ainda é, porém, dona de 10% da empresa que gerencia o Flamengo, apesar da quebra.
ETAPA CONTURBADA
A Primeira Etapa foi finalizada e, mesmo em meio ao caos nos bastidores, o time formado por WooFe, Ranger, Goku, Absolut e Jojo, sob o comando de Djoko e Reven, chegou à grande final do CBLoL, perdendo apenas para uma KaBuM em franca ascensão.
As cobranças da torcida desconsideravam o retrospecto conturbado do time, e mudanças e melhora eram clamadas. Com a quebra do contrato com a One, Jojo e Absolut — que tinham contratos de empréstimo — retornaram aos golden boys, e o rubro-negro ficou sem bot lane exceto pelo reserva Luskka.
Um boato forte sacudiu a comunidade: por indicação de Luci, o atirador coreano Bvoy poderia deixar a LEC pelo CBLoL e substituir a Misfits pelo Flamengo. O retorno de Luci por si só era um alívio aos torcedores, e a vinda do reforço animava os fãs. A contratação foi concretizada, mas a negociação tardia e a crescente da pandemia de coronavírus atrasaram a vinda dos estrangeiros.
Assim, enquanto seus adversários tinham novos times entrosados há no mínimo uma semana, o Flamengo iniciava a Segunda Etapa sem bot lane titular. Luskka e Flanalista taparam buraco, e o top laner novato Bankai também estreou em meio ao tiroteio. Duas semanas e três rodadas do campeonato foram disputadas enquanto os jogadores esperavam a bot lane, culminando em três derrotas para o FLA.
Com a chegada de Bvoy e Luci, o time engatou, mas os bastidores do Flamengo esquentavam cada vez mais. A falha em reforçar o time durante a janela de transferências buscava ser remediada, e a contratação do técnico Nuddle foi anunciada. Nuddle, no entanto, tapava o buraco de Djoko, que foi promovido à diretoria ao longo dos atritos com a Team One e da tentativa da Simplicity de dar seus próprios passos.
Enquanto na Primeira Etapa o Flamengo conseguiu recuperar o desempenho esportivo suficiente em meio ao caos administrativo e à pandemia, o mesmo não aconteceu na Segunda. Bvoy e Luci não foram os milagres que a torcida esperava, e o time não encaixou o suficiente para deslanchar na tabela.
Além dos resultados abaixo do esperado, outro fantasma atrapalhou o Flamengo na Segunda Etapa: o time recebeu cinco penalidades por conduta inapropriada ao longo de três meses. Três das punições foram por deixarem a partida antes do final; Duas foram direcionadas a Ranger, sendo que a última rendeu ao jogador uma suspensão de um jogo.
Ídolo da torcida consagrado semanas antes, o agora duramente criticado caçador veio a público comentar a fase difícil vivida pelo time. “O clube nunca esteve pior desde que ingressou no LOL”, reconheceu. “Passei a ignorar pequenas atitudes que, ao longo do tempo, foram envenenando nosso time”, comentou, em outra parte do texto.
Na Semana 7 do Campeonato, no auge da Fase de Pontos, uma derrota contra a Prodigy escancarou, mais uma vez, as dificuldades administrativas no Flamengo. Jed Kaplan twittava, minutos depois do resultado, uma imagem “queimando dinheiro”.

Os pontos perdidos no começo do torneio foram sentidas com força no último jogo do campeonato: a derrota para o Santos tirava o Flamengo das semifinais. Foram 21 jogos na Fase de Pontos, totalizando 10 vitórias e 11 derrotas do Flamengo — 6º lugar no campeonato após dois anos figurando entre primeiro e segundo colocado.
Com o fim da linha precoce para o Flamengo, parte do elenco se pronunciou pedindo desculpas e dando declarações desanimadas, como a de Flanalista, que afirmou que sairá do time, se culpando por suposta “incompetência”. No Twitter oficial da organização, o FLA Esports agradeceu o apoio, mas disse que a torcida merecia mais.
Lutamos até o fim, mas ficamos por aqui nesse split. Vocês mereciam muito mais. Obrigado pelo apoio incondicional. Uma vez Flamengo, sempre Flamengo. pic.twitter.com/I5GuPtfzVz
— Flamengo Esports (@flaesports) August 9, 2020
Ainda não há informações sobre o futuro do Flamengo Esports com o resultado do CBLoL. O contrato de licenciamento com a Simplicity One tem vigência até dezembro de 2022.