Conmebol e cartolas opositores colocam suas Superligas na gaveta
Superliga? O dia em que os torcedores conseguiram mudar o rumo dos gigantes europeus
A Europa viveu dias quentes com o projeto da Superliga de clubes que mal durou 48 horas, mas a América do Sul convive com torneios do tipo desde os anos 80. Alguns saíram sim do papel e outros estão neste momento na gaveta, seja na da própria Conmebol, seja na mesa de alguns dos dirigentes mais famosos do continente.
Para quem não lembra, a primeira Superliga sul-americana foi a Supercopa criada em 1988. Ela tinha um critério técnico simples e discutível: só a disputava quem tinha título da Libertadores. Por isso, ela nasceu com apenas 13 clubes. Só seis brasileiros a jogaram: Cruzeiro, Flamengo, Grêmio, Santos, São Paulo e Vasco, que atuou na edição de 1997 após Eurico Miranda convencer a Conmebol a aceitá-lo por ter vencido o Sul-Americano de 1948.
A chamada Supercopa dos campeões da Libertadores foi disputada até 1997 e, durante o período em que existiu, foi o segundo grande interclubes da Conmebol. A Europa tinha três torneios: Copa dos Campeões, Recopa e Copa da Uefa. A Supercopa, mesmo sendo bastante exclusiva, funcionava como se fosse a Recopa (que reunia os campeões de copas nacionais europeias). A Copa Conmebol, criada em 1992 com critérios técnicos mais justos (era atrelada aos campeonatos nacionais), virou o 3º interclubes em importância na América do Sul.

O Palmeiras, mesmo sendo um dos clubes mais populares do Brasil e tendo o forte patrocínio da Parmalat na década de 90, nunca disputou a Supercopa, pois só foi vencer sua primeira Libertadores após o final da disputa. Estudiantes e Grêmio chegaram a jogar a Supercopa mesmo estando na 2ª divisão, prova de que a competição não se preocupava muito com a qualidade técnica.
Em 1998, em busca de mais dinheiro, os clubes mais poderosos do continente resolveram lançar a Copa Mercosul, uma competição que funcionava na base de convites e que seria financeiramente mais forte do que a Supercopa e tecnicamente muito superior à Copa Conmebol. Paralelamente à Mercosul, foi disputada a Copa Merconorte, também oficializada pela Conmebol.
A Copa Mercosul foi na prática uma Superliga na América do Sul. A Traffic, agência de marketing esportivo que era grande parceira da Conmebol, criou a competição, assim como foi fundamental para a realização do primeiro Mundial de Clubes da Fifa em 2000, no Brasil. Foram quatro edições da Mercosul, sempre com 20 clubes, em tese os que teriam mais apelo e retorno financeiro.
O Corinthians, que era parceiro da Traffic no final da década de 90, jogou todas as edições da Copa Mercosul, assim como Cruzeiro, Flamengo, Palmeiras, São Paulo e Vasco. O Grêmio atuou em três edições, mas, em 2000, perdeu a vaga para o Atlético-MG, que tinha sido vice do Brasileiro em 1999. Kléber Leite, então presidente do Flamengo e influente na CBF por também ter empresa de marketing esportivo, dizia que o campeão brasileiro estaria sempre na Mercosul, talvez "na vaga de Grêmio ou Cruzeiro, depende de qual for a pior performance".
O Santos, apesar de seu rico histórico internacional, ficou à margem da Copa Mercosul. Os clubes fundadores da competição eram os times de maior torcida. Na Argentina, Boca Juniors, Independiente, River Plate, San Lorenzo e Vélez Sarsfield jogaram sempre a disputa. O Racing, outro grande, jogou as primeiras edições, mas entrou em grave crise financeira (chegou a quebrar) e deu espaço para o Rosario Central em 2000 e para o Talleres em 2001.
Em 2002, nasceu um outro projeto ainda mais ambicioso de Superliga na América. A Copa Pan-Americana reuniria os grandes clubes da Conmebol e da Concafaf. A ideia era, claro, multiplicar o dinheiro. Times mexicanos já jogavam a Libertadores, inclusive o Cruz Azul havia sido vice em 2001. O plano da integração total, no entanto, não vingou. E a Copa Pan-Americana virou Copa Sul-Americana.
Entre 2005 e 2008, times de México, Estados Unidos, Costa Rica e Honduras jogaram a Copa Sul-Americana (o mexicano Pachuca até conquistou a competição em 2006), mas a competição acabou avançando como a Liga Europa, atendendo a critérios cada vez mais técnicos com base nos campeonatos nacionais. Os clubes brasileiros não jogaram a primeira edição em 2002, mas depois encorparam a disputa, que hoje está bem consolidada no calendário.
Um novo projeto de Supercopa surgiu recentemente na Conmebol. Alejandro Domínguez, presidente da entidade, arquitetou uma competição com os 25 clubes campeões da Libertadores para definir duas vagas para a disputa do novo Mundial de Clubes da Fifa, que seria disputado neste ano com 24 equipes. A América do Sul deve ter seis times no novo Mundial, caso ele venha mesmo a ocorrer. A nova Supercopa atenderia aos interesses dos mais poderosos, que teriam uma nova fonte de renda e uma forma bastante exclusiva de alcançar o Mundial.
Como se vê, há um grande histórico na América do Sul de Superligas de clubes com aval da Conmebol. Mas também há projetos de um torneio independente com os times mais ricos. Em 2015, após a Fifa e o Governo norte-americano caçarem vários dirigentes corruptos da entidade que rege o futebol sul-americano, cresceu o desejo de vários clubes de assumir a organização do futebol aqui na região.
No dia 12 de janeiro de 2016, em Montevidéu, foi criada a tal Superliga de clubes sul-americanos. Boca Juniors, Colo-Colo, LDU, Nacional, Peñarol, Racing, River Plate, San Lorenzo, Universidad Católica e Universidad de Chile estavam na primeira reunião. Depois, em um segundo encontro em Buenos Aires, Cerro Porteño, Olimpia e representantes de Colômbia, Peru e Venezuela abraçaram a ideia. A ameaça à Conmebol ficou séria quando clubes brasileiros entraram nas conversas.
Corinthians, Grêmio, Internacional e São Paulo foram os primeiros times do país a cogitar a ruptura. Andrés Sanchez, ex-presidente corintiano que colaborou para o fim do Clube dos 13 no Brasil, foi uma voz ativa contra a Conmebol, reclamando por mais mais dinheiro nos torneios continentais. Chegou a ameaçar um boicote à Libertadores, algo que nunca ocorreu na prática.
Romildo Bolzan, ainda presidente gremista, foi colocado como vice-presidente da Superliga sul-americana. O grande líder do projeto, o "Florentino Pérez do torneio", foi Daniel Angelici, ex-presidente do Boca Juniors que virou vice da federação argentina de futebol. Aliado de Mauricio Macri, Angelici é um político influente na Argentina e foi apontado como o primeiro presidente da Superliga sul-americana.

Diante desse cenário, a Conmebol triplicou os prêmios dados aos participantes de seus torneios desde então. Alejandro Domínguez abriu os cofres da entidade para preservar ser cargo e a Libertadores, trabalhando mais o marketing do torneio e criando a final única em busca de mais patrocinadores e dinheiro, tentando ao máximo copiar o modelo adotado pela Champions League na Europa. A Libertadores virou Conmebol Libertadores, assim como a Champions é Uefa Champions League.
A Superliga sul-americana, que tinha também como vice-presidentes representantes de Deportivo Cali e The Strongest, começou a ruir por conta da rivalidade clubística. O River Plate votou contra Angelici e se reaproximou da Conmebol. A rivalidade foi muito vista na final da Libertadores em 2018, o maior "Superclásico". No Brasil, Andrés contribuiu sempre para a desunião clubes do país, alimentando rivalidades e lutando muito mais pela causa de seu time do que pelo futebol.

O blog indagou Andrés sobre as razões para a Superliga sul-americana não ter dado certo. Ele respondeu de forma muito breve e direta, bem ao seu estilo: "Porque não deu." Hoje, Andrés está oficialmente fora do Corinthians e diz querer distanciamento do futebol. Angelici, por sua vez, foi reprovado em exame de idoneidade, algo explorado pela Conmebol e também pela Fifa, ficou isolado e perdeu as eleições no Boca. A Superliga ficou em sua gaveta.
Com o fracasso retumbante da Super League na Europa, a Champions League continua firme, embora modificada. E, na esteira disso, a Libertadores também vive e lucra.
Conmebol e cartolas opositores colocam suas Superligas na gaveta
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