O beijo
O sucesso provocou elogios e reconhecimento. Tite se transformou no melhor técnico do futebol brasileiro e se aproximou da condição de unaminidade. Mas ao chegar à seleção, como costuma fazer, compôs. Não comprou para valer a briga da qual ameaçara participar. Talvez tenham esperado dele mais do que pode oferecer.
Na homenagem a Tite em 2013, ele era saudado até por quem não o queria mais no Corinthians e puxava seu tapete para estender o de Mano Menezes. Ao voltar para o clube em 2015, reencontrou dirigentes com os quais conviveu e até socorreu, contornando problemas, como os grandes atrasos na remuneração dos jogadores.
Tite não se negou a ser escudo dos cartolas, até mesmo daqueles que antes da segunda passagem de Mano não viam nele o melhor para o Corinthians — era o "EmpaTite". Tanto que não quiseram renovar seu contrato. O técnico que se tornou o melhor sempre teve como característica a postura política. Compõe e segue em frente.
No "Bola da Vez", em janeiro de 2015 o próprio presidente da época, Mário Gobbi (vídeo abaixo), admitiu que foi dele a decisão de não ficar com o técnico, com a ressalva: "Internamente, todo mundo queria que tirasse ele". Difícil crer que Tite não soubesse quem desejava vê-lo fora em meio à mediana campanha de 2013 — 10º na Série A.
E isso ficou de lado quando foi chamado pelos antigos algozes. E ele compôs. Assim retornou em 2015, consertou inúmeros erros administrativos mantendo o elenco concentrado, competitivo e se aprimorando. Mesmo com meses de espera pelos depósitos nas contas bancárias dos jogadores, que deveriam acontecer a cada 30 dias.
Ao chegar à seleção, Tite teve oportunidade gigantesca. Ele poderia enquadrar o presidente da CBF, impor condições, assumir o cargo de técnico e ainda assim manter distância de Marco Polo Del Nero e da cartolagem cebeefiana. Mas não aproveitou, mesmo tendo assinado o manifesto pela saída do dirigente, em dezembro.

Sim, Tite compôs. Perguntado sobre o fato de trabalhar com o cartola um semestre após engrossar a lista dos que clamavam "Fora Del Nero", deixou nas entrelinhas que discorda. É o estilo dele e foi até compreensível que evitasse um confronto com quem o está contratando, sob a alegação de que chega apenas para treinar o time.
Mas precisava ser usado pelo dirigente que não sai do país? Era necessário emprestar seu prestígio ao cartola que foi citado pelo FBI? Para que ceder sua própria credibilidade ao presidente da CBF, cujo antecessor e velho parceiro está preso nos Estados Unidos? Tite fez isso. E assim se criou uma situação contraditória.

Bastaria a ele uma exigência a mais em meio às longas reuniões que tiveram: fazer uma apresentação simples em entrevista coletiva, apenas ele, um assessor de imprensa, Edu Gaspar; e os repórteres. Nenhum dirigente, zero homenagem, nada de discursos e falsas declarações. Assim seria factível crer numa separação entre time de futebol e política da CBF.
Entendo o ser humano político, que prefere a composição ao embate, mesmo quando tem praticamente todas as armas à disposição. Não compreendo aparecer como aliado. Mas o fez. Ficou lado a lado com Del Nero, lhe proporcionou a chance de homemageá-lo citando até sua mãe, abraçou e se entreolhou com quem meses atrás pedia que saísse.
Tite deu ao presidente da CBF a oportunidade de beijá-lo sorrateiramente no rosto (veja no vídeo abaixo a 1:50) em meio a efusivos cumprimentos. E tal gesto tem peso, importância, simbolismo. Deu a ideia de que a assinatura no manifesto ficou para trás e ficou a sensação de mudança de lado. Impossível ignorar isso.
O novo técnico da seleção é um sério e honesto profissional, ótimo treinador, merece a oportunidade que tem, mas não é alguém tão especial, ousado, corajoso a ponto de usar sua força para mudar o curso da história, ir além daquilo que faz, dirigir equipes de futebol. Poucos homens são assim. Não esperemos de Tite mais do que pode oferecer.
Fonte: Mauro Cezar Pereira, blogueiro do ESPN.com.br
O beijo
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