O caso Naomi Osaka e o debate sobre o atleta ser uma mídia
A desistência de Naomi Osaka de disputar Roland Garros após uma queda de braço com a organização do Grand Slam sobre dar entrevistas coletivas após os jogos gerou dois debates distintos em torno do tema. O primeiro, mais claro e direto, é sobre a falta de empatia dos organizadores com o enfrentamento da depressão por parte da atleta.
Roland Garros foi intransigente com Osaka. E pesou demais a mão ao fazer isso. Deveria ter ponderado, negociado e conversado com a atleta, mais do que simplesmente criar uma narrativa de “cumpra-se o contrato”, mesmo que isso só tenha acontecido após conversas infrutíferas com a atleta. Qualquer abuso de autoridade, por mais que contratualmente faça sentido, é malvisto pelo público. É uma regra básica que uma entidade centenária deveria saber.
O segundo ponto da discussão, e esse sim é algo que tem sido cada vez mais recorrente, é sobre o status do atleta nos dias de hoje como uma plataforma de mídia. Hoje, em seus perfis nas redes sociais, Naomi Osaka pode falar com mais gente do que numa entrevista coletiva de Grand Slam. Ou, pelo menos, fala de forma controlada, sem questionamentos impertinentes ou com a possibilidade de apertar o botão “silenciar” quando for conveniente.

Dessa forma, é muito mais cômodo, para qualquer atleta do tamanho de Naomi Osaka, esquivar-se das entrevistas coletivas e usar apenas seus canais oficiais para falar com o fã. Qualquer semelhança com Donald Trump e Jair Bolsonaro não é mera coincidência. As perguntas que precisam ser feitas pela mídia, para lembrar a todos que temos obrigações, quase nunca partem dos fãs e, muito menos, podem ser ignoradas durante uma entrevista coletiva.
Sim, com certeza não se pode desprezar a depressão enfrentada por Naomi Osaka. Mas o que está em discussão é algo que vai, hoje, além disso. Qualquer um pode ser uma mídia. Só que isso gera enormes desafios para a forma como se comunicar com o público. A vida é feita de questionamentos e de enfrentamentos. Não podemos simplesmente “bloquear” quem pensa diferente ou quem nos traz questionamentos desfavoráveis.
Naomi Osaka se recusar a dar entrevistas coletivas por conta de uma depressão é justo, mas ela deveria, então, ponderar se o problema de saúde que ela atravessa não a impediria, também, não só de falar com a imprensa, mas de se expor publicamente durante partidas de tênis. Hoje ela tem uma posição que a permite tirar um “sabático” para cuidar melhor da saúde. E, dada a situação delicada que é a depressão, com certeza terá apoio de patrocinadores e da própria WTA para isso.
Roland Garros poderia usar o caso Osaka como ponto de partida para uma tremenda discussão sobre o papel das mídias sociais no afastamento de princípios de vida em sociedade. Trazer Osaka e jornalistas para um debate maior, de nosso papel coletivo e dos exemplos que devem ser dados por quem está “na mídia”.
O atleta hoje é a própria mídia. Mas ele precisa ainda do jornalismo tradicional para impulsioná-lo a ser cada vez mais uma poderosa mídia. Em vez de queda de braço, o que precisa acontecer é os dois lados estenderem as mãos para fazerem, juntos, produtos melhores para o fã e, claro, para os patrocinadores, a mídia e os atletas.
O caso Naomi Osaka e o debate sobre o atleta ser uma mídia
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