Como PSG e Manchester City se tornaram peças no tabuleiro da geopolítica do Oriente Médio
Os olhos do mundo do futebol estarão voltados nesta quarta-feira (28) para o Parque dos Príncipes, em Paris, onde Paris Saint-Germain e Manchester City entram em campo pelo jogo de ida das semifinais da Champions League. De um lado, Neymar, Mbappé e Di María em busca do retorno à decisão europeia; do outro, Guardiola e a perseguição pela inédita final para o time inglês. Por trás de tudo isso, muita política internacional.
Desde 2011, o PSG pertence à Qatar Sports Investment, braço de investimento esportivo do governo catari. O Manchester City possui ligação anterior com o Oriente Médio, já que em 2008 foi adquirido pelo Abu Dhabi United Group, pertencente a Mansour bin Zayed Al Nahyan, membro da família real dos Emirados Árabes Unidos (EAU). Os dois países reataram relações diplomáticas apenas em janeiro deste ano, após a crise que aconteceu no Golfo Pérsico em junho de 2017 e culminou com o isolamento político do Catar, acusado de apoio ao terrorismo, liderado pela Arábia Saudita, com apoio de Egito, Bahrein e EAU.
Após o vice-campeonato da Champions na temporada passada, o PSG também se viu em uma crise. Thomas Tuchel já não conseguia tirar de seus jogadores o melhor e acabou demitido por Nasser Al-Khelaifi, um dos homens mais fortes do futebol mundial na atualidade. O dirigente escolheu Mauricio Pochettino como substituto, e as últimas semanas têm sido positivas. A classificação sobre o Bayern de Munique nas quartas de final e a recuperação na Ligue 1, na qual brigará pelo título contra Lille e Monaco, fortaleceram o time. Al-Khelaifi, ex-tenista profissional, ainda se colocou no lado certo da disputa entre a Superliga e o resto do mundo. Ele herdou o posto de Andrea Agnelli no comando da Associação Europeia de Clubes e aumentou sua relevância nas tomadas de decisão do futebol europeu.
Khaldoon Al Mubarak, responsável pelo controle do Manchester City, não tomou a mesma decisão. Ao ver sua torcida absolutamente contra a Superliga, se viu obrigado a recuar na iniciativa de participar da famigerada liga. Ao menos, em campo, já comemorou na temporada a conquista da Copa da Liga Inglesa (contra o Tottenham, no último domingo) e conta os dias para celebrar a quinta Premier League desta nova era do clube.
Hani Sabra explica objetivos de Catar e Emirados Árabes ao investirem no futebol: 'Eles fizeram de duas formas diferentes'
Muito além do futebol
As glórias, os títulos, os jogadores internacionais destes clubes fazem parte de algo maior, que extrapola o futebol. Catar e Emirados Árabes Unidos usam o jogo mais amado do planeta para fortalecerem e melhorarem a forma como o mundo os vê. Quem afirma é o analista político Hani Sabra, especialista em Oriente Médio e referência no assunto nos Estados Unidos. "Ambos são pequenos países ricos do Golfo, monarquias, e querem fortalecer a própria imagem internacional. Eles decidiram investir em clubes de futebol porque perceberam que uma boa maneira para alcançarem isso era através do futebol, o esporte mais popular do planeta. Realmente veem o futebol como uma rota para melhorarem o próprio status mundial", disse em entrevista exclusiva ao blog.
Sabra é egípcio e torcedor do Liverpool por causa de Mohamed Salah. Em seu escritório em Nova York, lembra da vida no Cairo e brinca que, para se atravessar a caótica cidade de um lado para o outro, é necessário verificar a agenda dos Reds. Quando o Liverpool está em campo, Cairo para. Sem o mesmo caos da maior cidade egípcia, outras duas no Oriente Médio também passaram a se identificar com clubes europeus. "Há 15 anos, quantas pessoas em Abu Dhabi eram torcedoras do Manchester City? Nenhuma. Se você andasse nas ruas de Doha, dez anos atrás, quem era realmente torcedor do Paris Saint-Germain? Ninguém. Atualmente, todos em Abu Dhabi torcem pelo Manchester City, assim como em Doha pelo PSG. Agora há essa conexão emocional com esses dois clubes", explicou.
A tensão gerada pela Superliga aumentou o debate global sobre investimentos de bilionários ou estados no futebol. O modelo alemão, de 50+1, que cria barreiras para investidores estrangeiros entrarem na Bundesliga, se tornou exemplo de resistência nos protestos em Old Trafford, Anfield e em outras partes da Inglaterra. Está longe de ser perfeito, como nenhum é, possui também seus pontos negativos. Muitos alegam que, na Alemanha, é impossível clubes médios ou menores mudarem o equilíbrio de forças no país e alcançarem o topo da pirâmide. O RB Leipzig, driblando essa regra através de burocracia estatutária, tem desafiado isso. Fato é, no entanto, que exemplos como PSG e Manchester City são inviáveis na cultura alemã.
'Não se pode separar a política do esporte': Hani Sabra detalha e analisa os investimentos em Manchester City e PSG
E por que a Champions vale tanto?
Catar e Emirados Árabes Unidos não usam seus clubes para ganharem dinheiro. O objetivo é, claramente, a geopolítica, por isso o confronto pela Champions ganha conotação além das quatro linhas. "Você nunca pode separar o esporte da política. Os dois são tão interligados e misturados que você nunca pode separar um do outro", afirmou Sabra. "A reconciliação que existiu entre os países foi mais entre Catar e Arábia Saudita, e os Emirados Árabes Unidos aproveitaram a carona. Eu diria que a aceitação dos Emirados deste acordo é relutante. Não sei quando, mas acredito que a tensão entre os dois países vai, certamente, voltar em algum ponto nos próximos anos. Basicamente porque os problemas entre eles não foram resolvidos."
Quais são essas questões? Apoio do Catar a grupos islamistas, alinhamento com o Irã, além da própria política internacional ambiciosa dos cataris. É curioso que, voltando para o futebol, é possível que o PSG tenha esse embate político na própria Ligue 1. Na segunda divisão francesa está, atualmente, o Paris FC, clube que tem investimento do governo do Bahrein e está na briga pelo acesso. Por enquanto, o confronto se resume ao jogo da Champions contra o Manchester City e sua ligação com os Emirados Árabes Unidos.
Não há, porém, entre as nações soberanas árabes, tensões parecidas com o cenário dos Balcãs, por exemplo, para citar conflitos ainda muito recentes e marcantes na humanidade. Em 13 de maio de 1990, um jogo de futebol foi um dos estopins para o início dos conflitos na Iugoslávia. Pelo Campeonato Iugoslavo, o Dínamo Zagreb recebeu o Estrela Vermelha, de Belgrado. Dias antes, eleições na Croácia fortaleceram o movimento nacionalista, contrário ao governo.
Cerca de três mil torcedores sérvios, a maior parte da Delje, grupo de ultras que, posteriormente, se tornou uma organização paramilitar na guerra, fizeram a viagem até Zagreb. Foram muitos conflitos nas ruas da capital croata, que se estenderam para as arquibancadas e o campo do estádio Maksimir, que virou um campo de batalhas. A polícia agiu ferozmente contra a torcida da casa, e um episódio se tornou extremamente marcante na história: Zvonimir Boban, ídolo do Dínamo e um dos maiores jogadores dos Balcãs em todos os tempos, atacou um policial em defesa de um torcedor.
O futebol pode ser usado como ferramenta para melhorar a imagem dos países árabes? Hani Sabra responde e utiliza Salah como exemplo
Jamais será apenas um jogo
Nada perto disso acontecerá em Paris. O Parque dos Príncipes estará com as arquibancadas vazias, devido à pandemia de coronavírus. Pochettino vai mandar a campo seu time mais forte possível, talvez com Ander Herrera no meio-campo, para aumentar a criatividade. O jogador espanhol, em meio à baderna mundial causada pela Superliga, se manifestou ao afirmar ter "se apaixonado pelo futebol popular, pelo futebol dos torcedores, pelo sonho de ver o time do seu coração competir contra os maiores".
Pelo caminho na Champions ficou Joshua Kimmich, crítico tardio da escolha do Catar como sede do Mundial de 2022. "Acho que estamos dez anos atrasados para boicotar a Copa do Mundo", disse o meia alemão após os jogadores da seleção vestirem camisas que compunham o termo "Human Rights" (Direito Humanos), em alusão às péssimas condições de trabalhadores migrantes no Catar. Já Guardiola deve, mais uma vez, optar por uma escalação sem um centroavante, deixando Sergio Agüero e Gabriel Jesus no banco de reservas. O treinador é um ativista defensor do movimento independentista da Catalunha. Também se posicionou contra a Superliga e, nos últimos meses, tem divulgado e apoiado organizações de defesa dos imigrantes.
Em Doha e em Abu Dhabi, bem distantes de Paris e Manchester, haverá mobilização dos novos torcedores de PSG e City. A partida moverá também muitos interesses das nações envolvidas, não necessariamente França e Inglaterra, no tabuleiro da geopolítica do Oriente Médio. Jamais será apenas um jogo, por mais maravilhoso e apaixonante que seja dentro das quatro linhas.

Como PSG e Manchester City se tornaram peças no tabuleiro da geopolítica do Oriente Médio
COMENTÁRIOS
Use a Conta do Facebook para adicionar um comentário no Facebook Termos de usoe Politica de Privacidade. Seu nome no Facebook, foto e outras informações que você tornou públicas no Facebook aparecerão em seu cometário e poderão ser usadas em uma das plataformas da ESPN. Saiba Mais.