Um ano depois, o que a Rio 16 deixou para o Brasil? Uma cidade e um país envoltos por corrupção, dívidas e promessas perdidas
ESPN.com
Por Wayne Drehs e Mariana Lajolo*
Felipe Wu abre a porta e pede desculpas pela bagunça. No chão, ao seu lado, está uma mala com roupas e várias maletas repletas de pistolas. Caixas de munição sobem pelas escadas. Há sapatos na cozinha. Caixas na sala. Um buraco na parede onde ficava o ar condicionado. Esta é uma casa em desordem. Uma família que está para se mudar.
A casa modesta de 80 metros quadrados fica em uma rua estreita no elegante bairro do Itaim Bibi em São Paulo, o principal polo econômico do Brasil. Sua existência modesta contrasta fortemente com os muitos prédios altos e opulentos que ocupam alguns dos endereços mais ricos da cidade. Porém, em algumas semanas, este local não será mais o lar de Wu e seus pais. O pequeno quintal onde ele treinou durante anos para ganhar a primeira medalha olímpica de tiro do Brasil desde 1920 será, em breve, um local em obras. O corredor estreito do quintal lateral onde ele pendurou seus alvos para ir em busca de seu sonho olímpico por 12 anos vai encontrar seu destino final: uma escavadeira.
A casa de Wu, assim com as outras no quarteirão, estão programadas para serem demolidas e logo serão substituídas por duas torres. Seria de se esperar que essas casas suntuosas servissem para receber uma das 19 medalhas olímpicas que os brasileiros ganharam no Rio no ano passado. Mas o sucesso contribuiu muito pouco para melhorar o estilo de vida de Wu. Ao contrário, a Olimpíada tornou as coisas mais difíceis.
"Nem nos meus piores sonhos eu poderia imaginar que viveria o que estou vivendo agora", diz Wu, de 25 anos, que chegou ao pódio na competição de pistola de ar de 10 metros.
"Depois de ter um bom resultado, senti uma centelha de esperança. Mas ela nunca se materializou. Isso é triste. Perdemos a oportunidade de transformar os esportes no Brasil. De levar todos os esportes a um nível profissional. E envolver crianças nos esportes. De formar os próximos campeões. Isso tudo é decepcionante”.
A Olimpíada do Rio 2016 deveria ter sido o segundo movimento de uma seqüência de dois para anunciar a chegada do Brasil ao rol das potências esportivas mundiais. Mas, em grande medida, aconteceu o oposto. Receber a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 em meio à maior crise econômica e política do país resultou em uma combinação explosiva de promessas não cumpridas.
Se por um lado 15 das 27 instalações esportivas originais já sediaram algum tipo de evento desde os Jogos Olímpicos, outras permanecem completamente abandonadas, e sua decadência e degradação são um lembrete constante do que elas deveriam ter sido. No início deste mês, o fogo de um balão incendiou o teto do velódromo do Rio e danificou significativamente a pista de pinho siberiano.
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O Parque Deodoro, aclamado por políticos brasileiros e defensores da Olimpíada como um passo para a melhoria de um dos bairros mais pobres do Rio, está danificado. A piscina comunitária que deveria ter resultado da pista de canoagem slalom está fechada desde dezembro e ainda não tem previsão para reabrir. Segundo relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), divulgado na semana passada, outra piscina do complexo está cheia de lodo, insetos e fezes de capivara. O elevador que já foi usado para ajudar na travessia de torcedores por cima de uma estrada movimentada agora leva a nenhum lugar.
Dezesseis quilômetros dali, no Parque Olímpico, a situação não está muito melhor. A cidade abriu licitações para empresas privadas gerenciarem o parque e ninguém se inscreveu, deixando a responsabilidade para o Ministério do Esporte. Somente a manutenção vai custar aproximadamente $14 milhões aos cofres públicos neste ano. O novo prefeito do Rio, Marcelo Crivella, cancelou os planos de transformar o estádio de handebol em quatro escolas públicas. E as 31 torres que compunham a Vila dos Atletas, que deveriam ter sido transformadas em apartamentos de luxo, ainda estão completamente vazias.
Até mesmo algumas das medalhas ganhas pelos atletas estão manchadas ou quebradas, e mais de 10% delas foram enviadas de volta ao Brasil para serem consertadas. O Comitê Rio 2016 credita os dados a problemas de manuseamento feito pelos atletas.
As promessas de que a Olimpíada modernizaria o Rio e tornaria suas ruas seguras e suas favelas mais limpas também fracassaram. De acordo com o Instituto de Segurança Pública, roubos nas ruas subiram 48% e agressões mortais subiram 21%, as taxas mais altas desde 2009. Nos primeiros três meses de 2017, crimes violentos subiram 26% em comparação com o mesmo período de 2016. O Estado do Rio ainda não consegue pagar seus professores, funcionários de hospitais, policiais e outros funcionários públicos em dia, quando consegue pagar. Muitas favelas ainda não têm água potável ou remoção adequada de esgoto. "O legado prometido das Olimpíadas de conseguir uma cidade segura para todo mundo não foi cumprido", escreveu a Anistia Internacional em seu relatório pós-Rio de setembro de 2016. "Pelo contrário, permanece um legado de violações de direitos humanos".
Amplamente negligenciados durante grande parte da comoção pós-Rio estão os atletas brasileiros. Não só aqueles como Wu, que alcançaram os maiores níveis de sucesso, mas também a próxima geração. Esgotaram-se os patrocinadores. Os técnicos de elite fugiram do país. Fecharam-se centros de treinamento. E os atletas se perguntam como – ou mesmo se – ainda vão conseguir competir.
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Felipe Wu, primeiro medalhista do Brasil nos Jogos do Rio de Janeiro
Apu Gomes/ESPN
Em dezembro de 2009, dois meses depois que o COI concedeu ao Rio sediar os Jogos Olímpicos de 2016, o então presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, chegou à celebração do Prêmio Brasil Olímpico duas horas atrasado. Usando a mesma gravata azul com listas brancas, verdes e amarelas que vestiu naquele dia memorável em Copenhague, ele recebeu, orgulhosamente, o prêmio de Personalidade Olímpica do Ano pelo papel que desempenhou ao ajudar a trazer a primeira Olimpíada para a América do Sul.
Foi uma mudança radical comparada a dois anos antes, quando os torcedores o vaiaram ruidosamente no Estádio do Maracanã durante a cerimônia de abertura dos Jogos Pan-Americanos. Agora, sua popularidade está nas alturas. Naquela noite, ele decidiu não ler o discurso preparado por sua equipe e, em vez disso, falou por 28 minutos e prometeu “a Olimpíada mais organizada do mundo”. Ele disse que os Jogos Olímpicos tinham o poder de tirar uma criança da favela e mudar sua vida para sempre.
Nada disso poderia ser feito, disse Lula, sem a ajuda da comunidade empresarial - não por patrocinar atletas bem-sucedidos, mas financiando a estrutura esportiva do Brasil. Então, eles poderiam transformar aquele garoto problemático em um campeão olímpico. A multidão se agitou.
Nos meses e anos que se seguiram, a proclamação de Lula se sustentou com um fluxo aparentemente infindável de apoio financeiro, pois o governo do Brasil investiu aproximadamente R$ 12,6 bilhões no esporte brasileiro. O dinheiro continuou entrando com o término do mandato de Lula, quando ele foi substituído por Dilma Rousseff, e esse dinheiro representou mais de 90% do total de investimento no setor. Foi como um curso relâmpago sobre como comprar medalhas olímpicas, tentando formar o maior número possível de atletas de nível internacional antes dos Jogos do Rio. Wu foi um dos que se beneficiam dos investimentos. Ele havia treinado sozinho até 2015, quando a Confederação Brasileira de Tiro contratou um respeitado técnico internacional. Seu desempenho disparou. Ele ganhou a medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de 2015 e dois títulos na Copa do Mundo no seu percurso até o Rio, antes de ganhar uma medalha em casa.
Não demorou muito para a fonte secar. A “Operação Lava-Jato”, que começou como uma investigação de lavagem de dinheiro em um posto de gasolina na capital Brasília, explodiu e tornou-se um dos maiores escândalos de corrupção da história do país.
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Mais de 200 funcionários do primeiro escalão do governo seriam investigados ou denunciados, inclusive o próprio Lula, que teve seus bens congelados no mês passado, quando foi condenado a nove anos e meio de prisão. Ele espera julgamento em segunda instância. A investigação continua. O ex-governador do Rio Sérgio Cabral foi preso por ter alegadamente recebido milhões em propinas. E a polícia está investigando o ex-prefeito do Rio, Eduardo Paes, suspeito de ter recebido pelo menos $5 milhões em pagamentos por projetos de construção na Olimpíada.
Sonho com a medalha olímpica desde que tinha 13 anos. Pensei que fosse mudar minha vida, ou pelo menos que ficaria mais fácil. Nada mudou. Pelo contrário, eu perdi. E muito
Poliana Okimoto, maratonista aquática e bronze na Rio 2016
Junto com a queda nas riquezas petrolíferas, a falta de confiança das pessoas no governo levou o Brasil à pior recessão de sua história. Dez dias depois da cerimônia de encerramento, Dilma Rousseff sofreu impeachment, em grande parte por ser responsabilizada pela crise do país. Nenhum setor do governo ficou imune ao escândalo, inclusive líderes esportivos. Coaracy Nunes Filho, ex-presidente da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA), e dois de seus diretores foram presos e acusados de mau uso de $13 milhões em verbas, tanto para ganho pessoal quanto por fornecer contratos que favoreciam seus associados.
Percebendo que o problema era maior, o Tribunal de Contas da União (TCU), órgão que vistoria o uso de verbas públicas, abriu uma auditoria em dez entidades esportivas, incluindo o Comitê Olímpico do Brasil (COB). Descobriu-se que nove entre essas 10 apresentavam problemas no uso da verba pública. A única organização que não mostrou falhas: a Confederação Brasileira de Desportos de Deficientes Visuais (CBDV).
"Em nossas auditorias, descobrimos que a situação era muito séria e havia o risco de perder-se dinheiro e o legado que havia sido construído nos últimos anos", disse o secretário do TCU, Ismar Barbosa, à ESPN.
Os atletas que haviam recebido oportunidades no percurso até a Rio 2016 estavam, agora, vivendo um pesadelo, alguns deles, com as medalhas olímpicas em seus pescoços. Wu, neto de imigrantes chineses, era um exemplo. Depois do Rio, o contrato do seu técnico colombiano não foi renovado e ele voltou a treinar por conta própria. Ele não conseguiu chegar às finais de qualquer Copa do Mundo deste ano e está preocupado que o mesmo ocorra nos Campeonatos Mundiais no final deste mês.
Ele ainda tem o mesmo patrocinador que tinha antes do Rio – Rifle, a empresa brasileira que lhe fornece munição. Porém, não há mais nenhuma novidade. Ele se sustenta com R$ 3,16 mil por mês que recebe do Exército Brasileiro por tê-los representado em competições das forças armadas e R$ 15,1 mil de Bolsa-Pódio do governo, que ele recebe por ser um medalhista olímpico. Suas queixas são menos por causa de dinheiro e mais pela falta de estabilidade e de condições de treino. Ele cortou sua programação de viagens e treinamentos e voltou sua atenção a uma entidade que pode lhe dar um futuro bem mais estável: faculdade. Na Universidade Federal do ABC, Wu estuda engenharia aeroespacial.
Frequentemente, ele é reconhecido nas ruas, as pessoas o param em aeroportos e supermercados para parabenizá-lo e tirar uma foto. Mas boa parte não tem nem ideia de que esporte ele pratica; eles apenas reconhecem seu rosto como uma das histórias de sucesso dos Jogos do Rio. E a selfie ocasional com fãs não ajuda a diminuir sua frustração.
"Desde que tinha 12 anos de idade, eu queria ganhar uma medalha olímpica, mas nunca me permiti pensar em como seria se realmente ganhasse uma", ele diz. "Se tivesse imaginado alguma coisa, estaria ainda mais decepcionado".
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Estádio Aquático no Parque Olímpico nove meses depois da Rio 2016
EFE
Quando Ricardo Cintra acorda no meio da noite para beber água, ele ainda fica impressionado. Ao longo do caminho escuro até a cozinha, ele vê a medalha olímpica presa à parede da sala e balança a cabeça, incrédulo.
"Eu olho e penso: 'Uau. É verdade. Poliana realmente conseguiu'", diz.
Cintra é um dos poucos técnicos do mundo que têm o privilégio de ter uma medalha olímpica em sua casa. Isso porque ele é técnico e marido da maratonista aquática Poliana Okimoto, que ganhou o bronze no Rio. Okimoto inicialmente terminou em quarto nos 10k, mas a desqualificação de Aurelie Muller, que chegou em segundo lugar, depois que ela atrapalhou outra nadadora ao final, catapultou Okimoto para o bronze e ela se tornou a primeira nadadora brasileira a ganhar uma medalha olímpica.
Okimoto tinha um plano na preparação para a Olimpíada do Rio. Durante quatro anos, ela conseguiu pagar uma equipe de profissionais para ajudá-la na beira da piscina. Fisioterapeuta, psicólogo, preparador físico e massagista estiveram à mão para ajudá-la a alcançar sua meta. Parte das despesas era paga graças ao pagamento mensal de R$ 13 mil que ela recebia de seu patrocinador, os Correios.
Mas, assim como Wu, a vida competitiva de Okimoto está agora cheia de confusão. Em cada golpe, ela sente os efeitos da crise financeira e do escândalo da corrupção.
Em setembro, seu contrato de patrocínio terminou e não foi renovado. Agora, ela paga sua equipe usando os R$ 3,16 mil que recebe do Exército, a Bolsa-Pódio de R$ 15,2 mil que recebe do governo, além do salário de seu clube, a Unisanta. (Por motivos contratuais, a equipe não divulga o valor). Ela ainda treina na mesma piscina de 25 metros do Clube Esperia, em São Paulo, onde ela e seu marido pagam R$ 506 por mês como sócios. O clube não tem equipe competitiva de natação, o que significa que é perfeitamente normal para Okimoto treinar em uma piscina, enquanto senhoras fazem aula de hidroginástica na piscina ao lado.
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Para treinar na Unisanta, que está localizada em Santos, a cerca de 80 km de São Paulo, Okimoto teria que se mudar e dividir a piscina com sua maior rival no país, Ana Marcela Cunha. Nenhuma das duas queria essa situação. Neste verão, Poliana não conseguiu nem entrar na equipe brasileira que foi ao Mundial da Hungria, no mês passado, enquanto Cunha ganhou o ouro nos 25 km e o bronze nos 5 km e 10 km.
"Sonho com a medalha olímpica desde que tinha 13 anos", disse Okimoto. "Pensei que fosse mudar minha vida, ou pelo menos que ficaria mais fácil. Nada mudou. Pelo contrário, eu perdi. E muito".
Ela ainda se lembra como foi estar naquele pódio há um ano. Através de suas lágrimas, naquele momento, ela via centenas de fãs gritarem seu nome e balançarem a bandeira do Brasil. Mas hoje, o gosto é agridoce. No Troféu Maria Lenk, a primeira competição nacional depois dos Jogos do Rio, Cintra teve de pedir aos narradores que anunciassem que havia uma medalhista olímpica na piscina.
"Foi uma chance de lembrar aos jovens que havia uma medalhista ali, que devemos valorizar as realizações dessa atleta brasileira", ele diz. "Nós vamos a competições nos EUA, e eles param tudo para anunciar que há uma medalhista na arquibancada. Todo mundo aplaude".
Ele para, pensando em tudo o que aconteceu no último ano e acrescenta: “Como posso motivar a Poliana a continuar até Tóquio 2020 se o único [resultado] é decepcionar-se?”
É uma pergunta justa. E talvez nenhum setor do esporte brasileiro tenha sofrido mais com a recessão que o aquático. Por 26 anos, os Correios patrocinaram a CBDA. Mas depois do Rio, o investimento foi cortado em 70%, de $5,2 milhões para $1,7 milhão ao ano.
No início deste ano, o presidente do COB, Carlos Arthur Nuzman, admitiu que o investimento econômico nos esportes brasileiros caiu para os níveis de 2000, nove anos antes de o Brasil ganhar a sede dos Jogos de 2016.
Os Correios prevêem que vão fechar 2017 com uma perda operacional de $400 milhões. O sindicato dos funcionários dos Correios queria cortar seu apoio ao esporte completamente, mas foi convencido a não fazê-lo.
"Se dependesse deles, teríamos apoio zero", afirmou Guilherme Campos, presidente dos Correios Brasileiros, à ESPN. "Isso não está relacionado ao desempenho do atleta, e sim à nossa situação econômica. O que nos impediu de zerar completamente foi nossa história de 26 anos apoiando os esportes aquáticos brasileiros".
No Mundial a Hungria, o Brasil levou uma equipe de apenas 16 nadadores, a menor desde 2007. Esse número ainda foi o dobro do que a CBDA inicialmente achou que conseguiria arcar.
E enquanto os atletas americanos não recebem nenhum financiamento diretamente do governo, a maioria dos brasileiros não conseguiria se sustentar sem suas bolsas. E apesar de as fissuras no governo terem começado muito antes dos Jogos do Rio, o financiamento continuou por toda a Olimpíada. Hoje, isso é mais uma ação política que qualquer outra coisa, já que é o único dinheiro que vai diretamente para os atletas.
“No final de 2014, depois da Copa do Mundo de futebol, o país já estava quebrando”, disse Okimoto. “Se a Olimpíada não tivesse sido no Brasil, nosso sonho teria acabado ali mesmo. Os investimentos teriam parado. E não pararam. Mas, quando tudo acabou, ninguém tinha um plano. Ninguém sabia o que fazer com esta nova realidade”.
Leonardo Carneiro Monteiro Picciani, Ministro do Esporte do Brasil, rebate essa ideia de que não havia nenhum plano. De acordo com pesquisas realizadas pelo Ministério do Esporte, mais de 70% dos brasileiros concordam que deveria haver investimento público no esporte – esse investimento apenas deve ser administrado corretamente, sem corrupção.
“Não acho que o Brasil fracassou na Rio 2016”, ele diz. “A base do esporte brasileiro foi plantada em termos de infraestrutura e condições para os atletas treinarem. Mas deve ser melhorada a governança. Temos que desperdiçar menos e ter menos burocracia e problemas administrativos e, por outro lado, ter mais atletas em mais competições”.
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Medalha de ouro de Rafaela Silva no judô na Olimpíada do Rio de Janeiro
Mauro Pimentel/ESPN
Ainda é difícil para Rafaela Silva sair de sua casa e caminhar por algumas das praias famosas do Rio ou mesmo ir ao shopping. Um ano depois de ter conquistado o primeiro ouro do Brasil no Rio, a campeã de 25 anos e 57 kg ainda não se acostumou com a atenção que veio junto com sua vitória no judô.
As mensagens cruéis e racistas que se seguiram ao seu desempenho decepcionante em Londres 2012 quase a levaram a desistir do esporte, mas foram substituídas por palavras de estímulo e orgulho. Seus seguidores nas mídias sociais saltaram de 10.000 para 300.000. Ela treina no Instituto Reação, uma organização sem fins lucrativos que promove desenvolvimento humano e inclusão social por meio dos esportes. Ela é uma das crianças que mais se beneficiaram do projeto. A medalha olímpica a fez ganhar mais um patrocinador, a Nike. Ela também tem feito palestras. Em uma das empresas que comercializa o evento, uma palestra dela ao lado do dono do Instituto e medalhista olímpico Flávio Canto é contratada por R$ 31,6 mil.
Silva sabe que sua realidade não é a regra. “No Brasil só a medalha de ouro é realmente valorizada”, diz. “Os atletas que ganharam prata, bronze ou não ganharam nenhuma medalha estão tendo muito mais problemas. Esses são os que temos que considerar”.
Das 19 medalhas que o Brasil ganhou no Rio, apenas sete eram ouro, incluindo as equipes de futebol e vôlei masculino, esportes com forte apoio no Brasil.
“Antes das Olimpíadas, a crise já era grande, mas as Olimpíadas ajudaram as pessoas a esquecerem da crise por duas semanas”, diz Silva. “Depois disso, os atletas queriam comemorar suas conquistas, mas o país estava acordando no meio de cada vez mais escândalos. Os meios de comunicação se voltaram rapidamente para questões políticas, a crise econômica e os atletas perderam patrocínios e atenção. Eles foram esquecidos”.
Mesmo antes dos Jogos, Silva e seus colegas de judô decidiram que iriam dividir igualmente o prêmio oferecido aos medalhistas olímpicos pela Confederação Brasileira de Judô, uma quantia que totalizava R$ 525,3 mil. A equipe ganhou uma medalha de ouro e dois bronzes. Ao invés de faturar ao menos R$ 174 mil, Rafaela levou cerca de R$ 34,8 mil.
“É claro que gostaria de ter recebido mais pela medalha, mas achamos que seria mais justo dividirmos com todo mundo”, ela diz. “Todos lutamos da mesma forma. Esse dinheiro ajudou aqueles que não tinham nenhum patrocínio”.
A ajuda era necessária depois que o substituto de Dilma, Michel Temer, suspendeu o lançamento de editais do Bolsa-Atleta por seis meses – congelando o pagamento de medalhistas de campeonatos nacionais, continentais e mundiais, enquanto manteve intactas as bolsas para os medalhistas olímpicos. O novo edital recomeçou em agosto, o que significa que, no melhor dos casos, os atletas vão voltar a receber seu financiamento em dezembro. Silva se preocupa com o impacto que isso vai ter no esporte brasileiro na preparação para Tóquio.
“Todo mundo vai querer ter um bom desempenho em 2020, mas o esporte não é mais uma prioridade. Entendemos que o governo teve que diminuir os investimentos. Como é possível justificar o gasto de milhões em esportes quando não temos nenhum hospital?” ela diz.
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As Sementes de Esperança plantadas após a cerimônia de abertura da Rio 2016
Cortesia
Quando cada um dos 11.000 atletas competindo no Rio entrou no famoso Maracanã para a cerimônia de abertura, cada um recebeu uma cápsula com solo e uma semente de árvore nativa do Brasil. Depois, os atletas colocaram as cápsulas em torres espelhadas no chão do estádio. Os organizadores olímpicos chamaram isso de “Sementes de Esperança”, explicando que os recipientes seriam plantados como parte da Floresta dos Atletas no bairro Deodoro.
Porém, apenas pouco mais de um ano depois, não há melhor exemplo de falta de plano de legado dos Jogos do Rio. As mudas estão agora em vasos sob um enorme dossel negro em uma fazenda a 100 quilômetros do Rio. Marcelo de Carvalho Silva, o diretor da Biovert, a empresa responsável pelas sementes, diz que não tinha notícias dos organizadores da Olimpíada até a semana passada. Ele não tinha ideia de qual seria o plano para as sementes, mas cuida delas de graça, sabendo o que significaria para sua empresa - e para o país - se alguma coisa acontecesse a elas.
O plano era que o comitê organizador montasse algum tipo de cerimonial de um ano após o evento em agosto ou setembro, com atletas renomados, celebridades e voluntários, todos juntos para comemorar esta peça ambiental positiva do legado da Olimpíada do Brasil. Mas nada foi ainda planejado. Silva diz que se o objetivo fosse agosto ou setembro, ele teria que ter começado a preparar o novo solo em abril.
“Ainda não há garantia nenhuma de que haverá os recursos financeiros necessários para isso”, ele diz. “Não sei se isso vai acontecer”.
O comitê organizador insiste que tem o dinheiro para plantar as sementes adequadamente. E o TCU mantém um olhar atento para garantir que as promessas feitas sejam cumpridas. E que o dinheiro seja gasto de forma sensata. Mas no fim, esse é o problema do Brasil. Como investir no esporte quando todo o resto está caindo aos pedaços? Como pagar para plantar uma floresta quando não se consegue pagar a polícia? Para onde foi o dinheiro do orçamento?
As promessas se tornaram impossíveis de serem cumpridas, e a espiral continua. Tudo vai acontecer como planejado, eles dizem. As arenas serão usadas. As escolas serão construídas. As sementes serão plantadas.
Os brasileiros, no entanto, conhecem bem essa história.
“O legado dos Jogos é quase imperceptível”, diz a professora da Universidade de São Paulo e analista olímpica Katia Rubio. “Em outro momento, ou em outro país, os Jogos poderiam ter sido diferentes, mas não aqui e não agora. Subimos aquela rampa inicial da montanha-russa e demos um grande mergulho, mas, ao final, não havia mais nada. Foi um grande impulso que acabou não levando a nada.”
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