Ali no Brasil: Sem segurança, rebeldia programada e choro com pianista cego

Antônio Strini, do ESPN.com.br
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Mohammed al Fassi (à dir.), parceiro no ramo automobilístico de Muhammad Ali
Mohammed al Fassi (à dir.), parceiro no ramo automobilístico de Muhammad Ali

Muhammad Ali, o homem de negócios. Foi assim que o ex-campeão mundial dos pesos pesados chegou ao Brasil em abril de 1987 para passar por três cidades - Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre - em busca de um parceiro automobilístico.

No ano anterior, o lendário pugilista lançará seu carro esportivo junto ao empresário Mohammed Al-Fassi e procurava oportunidades para expandir seus negócios no ramo de automóveis junto aos países do Oriente Médio e na América do Norte.

E foi aí que o Brasil surgiu.

Por intermédio de Rubens Maluf Dabul - dono da Araucária Indústria de Veículos -, Ali se interessou nos chassis produzidos pela Puma, montadora brasileira fundada em São Paulo, mas que por dificuldades financeiras teve seu parque automobilístico transferido para Curitiba.

Com o suporte do empresário saudita, o ex-boxeador fechou contrato de "joint venture" entre sua empresa (Ali Holding), a Araucária e a Interamerica Limited para a produção de dois carros: o Al-Fassi Puma by Muhammad Ali e o Ali Stinger - uma referência à famosa frase do campeão "Float like a butterfly, sting like a bee" (Flutue como uma borboleta, ferroe como uma abelha).

A expectativa era de que a produção dos carros Al-Fassi Puma fosse de 40 por mês, subindo depois para 120 unidades. Durante sua passagem pelo Brasil, ele ainda não tinha definido como seria o desenho do Ali Stinger.

No entanto, a fonte secou. Ou melhor: os bens de Mohammed Al-Fassi acabaram congelados na Arábia Saudita por acusações de evasão de divisas, e o projetou não andou - nem dez unidades do Al-Fassi Puma foram produzidas.

Rubens Maluf Dabul, hoje aos 75 anos e presidente do Conselho de Administração do Instituto Socioambiental Brasil (ISAB), contou mais detalhes da passagem de Muhammad Ali pelo Brasil ao ESPN.com.br em conversa por e-mail.

Além disso, ele cita um outro encontro com "The Greatest" há menos de dez anos, já com o Mal de Parkinson em estágio avançado no ex-boxeador -, e revela: Ali sonhava em fabricar um carro para disputar competições esportivas.

'The Greatest', Muhammad Ali já sabia que imagem gostaria de deixar

Leia abaixo o depoimento de Rubens Maluf Dabul

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Muhammad Ali com seu carro lançado em 1986
Muhammad Ali com seu carro lançado em 1986

Sou engenheiro financista, tenho doutorado na HBS (Harvard). Nos anos 1980 eu prestava alguns serviços ao governo do Paraná. Comentei com o governador à época (José Richa) que a Puma, em São Paulo, encontrava-se em regime falimentar e talvez fosse um bom negócio para o Paraná tê-la em nosso "recém-inaugurado parque automotivo na Cidade Industrial de Curitiba". Ele aceitou, e iniciamos as tratativas para trazê-la a nossa CIC.

Neste período (1986-1987) estava ressuscitando os "dealers" (revendedores) da Puma. Em contato com nosso dealer americano (Kevin Haines), foi-nos dado a conhecer que o advogado de Ali tinha adquirido um Puma - exportado pela antiga empresa - e que gostaria de importar alguns com a chancela "al Fassi" (nome do príncipe da Arábia Saudita que sempre o patrocinou como atleta). Dos contatos iniciais nasceu a viagem do lutador, e tivemos a oportunidade de participar da sua história.

No Hotel Slavieiro, onde ficou por três semanas, teve um comportamento atípico. Enquanto o engenheiro americano especificava com a equipe da Puma o carro desejado pelo mercado da Arábia Saudita, Ali - com bermuda, chinelão, camiseta simples, sem qualquer imagem - ficava "perturbando" o trabalho, fazendo suas mágicas, contando suas passagens pelos ringues. Mas, quando minha secretária anunciava a existência de alguém da imprensa para uma entrevista/foto, imediatamente ele se transformava no "personagem" Muhammad Ali: vestia-se com seu terno preto, passava a falar baixinho e incrementava seus gestos trêmulos (quando vestido com bermuda, jamais deixou transparecer sua doença).

Arquivo pessoal
Muhammad Ali entre dois carros da fabricante brasileira Puma
Ali entre os dois carros da Puma que quase foram fabricados a seu pedido

Saía do hotel sem comunicar a ninguém, caminhava pela Boca Maldita para colocar seus sapatos à disposição dos engraxates. Brincava com as crianças. Não admitia segurança. Resumo: rebeldia programada a qual foi entendida pelos frequentadores da Boca Maldita (lugar das grandes fofocas da cidade!).

Na sua chegada ao Rio, fizemos sua hospedagem no Sheraton e oferecemos um jantar de boas-vindas. No restaurante, um pianista (deficiente visual) foi avisado que a qualquer momento entraria pela porta central do restaurante Muhammad Ali.

Assim que foi avisado, tocou "Carruagens de Fogo", o que colocou o valente boxeador em lágrimas. Ele abraçou o pianista e mais tarde o presenteou com uma camiseta com sua estampa e autógrafo.

As três semanas, creio, daria para escrever um folhetim "bem animado".

Bola da Vez - Foreman lembrou de quando perdeu para Ali: 'Achei que poderia vencer'

Mais tarde, em 2007, quando eu reencontrei Ali nos Estados Unidas, seu comportamento já estava prejudicado pelo avanço da doença. Mas conversamos, rimos, brincamos, e ele desejava construir um carro com seu nome e com potência suficiente para algum tipo de prova esportiva.

Deixou muitas lembranças em nosso meio, e "sem pedir permissão para milhões de pessoas que o amavam" faleceu.

Deus, por certo, reconhecerá seu comportamento a partir da famosa frase: "Não lutarei contra os vietnamitas: eles nunca fizeram mal a mim e ao meu povo!"

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