Efeito quarentena: da preocupação com o sono dos atletas até as orientações de saúde, medicina e fisioterapia adaptam abordagem

Enquanto a área da saúde é a mais impactada em todo o planeta por conta da pandemia do novo Coronavírus, dentro do futebol, médicos e fisioterapeutas também experimentam um novo dia a dia, com preocupações e processos diferentes que o habitual. Da mudança nas orientações à atletas e familiares até a preocupação com o sono dos mesmos, tanto para tratar como prevenir lesões, estes profissionais vão se adaptando dependendo das novas demandas e rotinas.
No terceiro episódio da série “Efeito Quarentena”, toda semana aqui no blog, vamos abordar as transformações dentro da área da saúde dos clubes. Buscar entender que tipo de adaptações estes especialistas precisam ter neste momento e, principalmente, como ser eficiente e influente neste processo de manter elencos, comissões e até parentes saudáveis.
Clique - Episódio 1: treinadores e auxiliares se apegam à tecnologia
Clique - Episódio 2: como a preparação física tenta minimizar danos?
Talvez o primeiro ponto que vem a cabeça do torcedor comum seja a questão de algum atleta lesionado. Como fica o problema? Como recuperar problemas mais sérios? Como praticar medicina/fisioterapia sem ter o “paciente” por perto? Pois bem, acaba por ser um novo desafio, visto não só no esporte, mas na sociedade em geral. A ferramenta, como todos nós temos abusado nos últimos tempos, são as chamadas de vídeo.
Apesar de boa parte do trabalho feito de maneira online, existem sim as exceções. E neste momento, a medicina acaba por correr seus riscos, como todos os profissionais de Hospitais, por exemplo, têm corrido.
- É tudo muito novo. Mesmo para nós da área médica. A gente nunca tinha passado por algo parecido. Estamos tentando, acima de qualquer coisa, seguir as recomendações dos especialistas. Estamos aguardando as próximas definições. Enquanto isso, estamos totalmente à disposição dos atletas, mas tudo online. Caso exista a necessidade, claro, estaremos presencialmente também. Não teria problema a gente se deslocar dependendo do caso, estamos ali para isso. Desde que se respeite os cuidados necessários com segurança e EPIs. É um momento de adaptação, a gente tem que se cuidar, mas ao mesmo tempo se proteger também. É uma responsabilidade grande – afirma o Doutor José Sanchéz, médico do São Paulo, em contato com o blog.
O fato de não estar com o jogador como normalmente acontece, impacta também na área de fisioterapia, já que a comunicação e monitoramento são imprescindíveis para recuperar lesões. Principalmente no momento das orientações de movimentos e exercícios.
Com passagens por Corinthians, Flamengo e Seleção Brasileira, Bruno Mazziotti agora vive essa nova realidade de quarentena na Europa. Atualmente no PSG, o fisioterapeuta chegou a Paris para ajudar na construção de todo processo da área de saúde do clube.
- Há uma preocupação das entidades esportivas de como manejar os nossos atletas, principalmente porque a gente não tem um precedente de ficar tanto tempo sem atividade. É difícil imaginar um desfecho. Dentro da minha realidade eu tenho atletas que se machucaram e que continuam num processo de reabilitação. Temos feito o trabalho através de vídeo. O que eu posso dizer é que essa é uma demanda que a medicina e todas as áreas da saúde começaram a descobrir melhor. Principalmente esse tipo de atendimento sem colocar as mãos no paciente, que chamam de “handsoff”. Então é uma oportunidade também de lidar com coisas novas. Logicamente que temos de ter cuidados para não pesar na dosagem dos trabalhos e na complexidade dos exercícios – explicou Mazziotti.
Apesar de ir “se virando como podem”, estes profissionais deixam claro que o cenário está bem distante do ideal. E mais, o tratamento, ou reabilitação, depende muito do tipo de lesão e o estágio que cada atleta está.
- Cada caso é um caso. Temos que ver as características das lesões, o nível de complexidade, se tem cirurgia ou não. Lógico que o ideal é manter pelo menos uma ou duas vezes esse atendimento de forma presencial. São patologias, lesões que precisam de mais cuidado. O ideal é um semi-presencial. Usar o teleatendimento online, ir dosando as coisas. Tem alguns cuidados que não tem muito jeito, precisam ser presenciais. Agora, casos menos graves, de repercussão pequena, muda um pouco. Entorses e lesões musculares, por exemplo, você consegue manter esse tipo de auxilio de longe – completa o profissional do clube francês, que lida com estrelas como Neymar, Cavani, Di Maria e outros no seu dia a dia.
No caso do médico em si, a rotina acabou mudando bastante se tratando da pandemia. Se antes as preocupações eram com avaliações de lesões e cirurgias, agora a atenção acaba sendo dada totalmente às orientações de como agir em meio a este caos na saúde. Para o Doutor Sanchéz, o foco mudou nas questões de novos hábitos para se proteger.
- Eu como médico do clube, não muda muito. Mas médico é médico em qualquer lugar. Estamos no meio de uma pandemia, temos que estar a postos e cuidar. Além das orientações ligadas a área esportiva, temos que buscar estar sempre orientando a todos sobre os novos hábitos. Isto tem sido a parte mais importante. Com relação a prevenção, até pensando nos seus familiares. É preciso ter atenção agora. Isso tudo está impactando muito a nossa sociedade. Então temos que ficar muito atentos – conta o médico do São Paulo.
Olho na prevenção pensando na volta do futebol

A expectativa de quando os jogos poderão ser disputados de novo é grande de todos os lados. Desde os torcedores até comissões e jogadores. Apesar de a maioria dos países ainda viver uma indecisão com relação a datas e prazos - na França a Ligue 1 foi encerrada e na Alemanha existe a possibilidade de volta nas próximas semanas) -, as áreas médicas dos clubes, além de tratar lesões, têm trabalhado muito no sentido de prevenir futuros problemas.
Cientes de que podemos viver os próximos anos de calendários apertados e jogos atrás de jogos, todo planejamento neste momento por fazer a diferença lá na frente, mesmo que o cenário ainda seja bastante nebuloso para quase todas as áreas.
Para Bruno Mazziotti, o resultado de toda a mobilização feita neste momento só poderá ser colhido quando as atividades regressarem, já que todos eles poderão avaliar individualmente cada jogador. Para o fisioterapeuta do PSG, toda a área médica poderá aprender bastante com os impactos do atual cenário.
- Essa questão de prevenção a gente só vai saber se deu resultado depois que tudo isso passar e a gente se reapresentar. A gente não sabe quando vamos restabelecer uma rotina. Eu nem falo em vida normal porque eu acho não dá para comparar o que é normal com o que a gente espera no futuro. Eu estou muito curioso para entender esse desfecho. Até porque já estamos mais de dois meses parados. Os atletas, em situação de férias, ficam 30 dias corridos sem atividades específicas. E esse período pode nos trazer aspectos interessantes, desde o positivo até o negativo. Mas isso é algo que nós da área de performance e saúde vamos ter que trabalhar e entender melhor – afirma.
O bom sono segue sendo importante: PSG mantém monitoramento
Se a grande missão dos departamentos médicos e de fisioterapia dos clubes é tratar e manter jogadores saudáveis para um futuro próximo, o aspecto mental também é uma preocupação e tem sido acompanhado de perto (inclusive entraremos mais neste assunto no próximo episódio). Mas a relação com o sono segue sendo uma preocupação para estes profissionais.
Cientificamente comprovado que ajuda a tratar e, principalmente, prevenir lesões, a qualidade do sono é algo bastante monitorado dentro do PSG. Com protocolos diários de bem-estar, onde se é abordado essa parte do descanso, o clube de Paris mantém acompanhamento mesmo sem a rotina de jogos e treinos.
- A gente já acompanha muito essa questão de stress e saúde mental dos atletas no PSG com os questionários de bem estar que temos como protocolo no clube. Isso é feito quase que diariamente. Até para estudar bem as cargas de treinos e jogos.
- A qualidade do sono é questionada, já que ela tem um papel importantíssimo na prevenção e tratamento de lesões. Sabemos que alguns hormônios são liberados só na fase mais profunda do sono. E existe uma relação forte com a quantidade e qualidade do sono. Sabemos que os atletas que dormem menos têm mais possibilidades de ter lesões musculares. Então é algo que a gente está procurando avaliar também – completa Bruno Mazziotti.
O fisioterapeuta brasileiro explica também que estes protocolos são feitos com um maior espaçamento, partindo de diário para semanal, até para não ficar muito em cima dos atletas na atual situação. Mazziotti ainda conta que não é uma abordagem restritamente feita por membros da área da saúde, mas que outros profissionais do departamento de futebol ajudam coletar essas informações.
- Tentamos sempre explicar que é uma monitoração e não um controle do sono deles. Temos que ter cuidado com isso, já que tudo que é novo acaba trazendo essa sensação ruim, até de controle mesmo. De parecer que você está invadindo a intimidade do atleta, mas é algo importante hoje em dia. A gente tem tentado atuar forte nisso dentro do nosso clube e estamos acompanhando isso por conversas com eles. Tentando entender se existe a necessidade de uma intervenção, de tentar uma conversa por plataformas para alguma informação mais precisa. E tentamos trabalhar isso em conjunto. Alguns profissionais do clube que têm mais acesso a esse ou aquele jogador, até por questão de empatia, também fazem. Essas informações seguem sendo coletadas de maneira controlada – afirma.
Com reconhecimento internacional da área de fisioterapia e prevenção de lesões, inclusive com o trabalho de longa data realizado com Ronaldo Fenômeno, Mazziotti faz muita questão de bater na tecla do que vem no futuro com relação a sua área. Mais que isso, aponta também uma oportunidade para todos do futebol refletirem sobre o que vem sendo feito e como agir daqui para frente.
Questionado como tem sentido que os jogadores estão lidando com todas essas mudanças repentinas e severas em suas rotinas, ele conta que no geral eles têm recebido bem as orientações, mas que também é um momento de cada um fazer sua parte.
- Eles (jogadores) são profissionais, entendem a realidade e o que se espera deles. Principalmente aqueles que ainda terão calendário pela frente. Logo que tudo isso se resolver a gente vai precisar desvendar muitas coisas, todo o mistério por trás de um acontecimento que impactou tanto a humanidade. Não só no lado físico e médico, mas também mental. Tudo isso nos dá a chance de olhar para tudo de maneira diferente, de buscar outras alternativas. Poderemos avaliar esse acompanhamento mais distante, entender o próprio senso dos atletas. Vai colocar em prova várias questões que temos como verdade até o dia de hoje. Eu acredito que, dentro deste cenário, deveríamos refletir e se preocupar de como vamos agir daqui para frente – pondera o fisioterapeuta.
Vale a pressão para retornar os jogos logo?

Apesar de ver o número de mortos passar de 8 mil nesta quarta-feira, o cenário brasileiro é de pressão de algumas partes para que o futebol retorne. Mesmo batendo recordes atrás de recordes de óbitos diários nos últimos dias, alguns clubes entram num processo de volta às atividades. Estudam fórmulas e protocolos de, ao menos, liberar seus CTs para treinamentos.
Por se tratar de uma pandemia dentro de um país com dimensões continentais, obviamente que cada cidade convive com uma realidade, umas mais duras outras ainda em processo de crescimento das notificações da doença. Até por isso, as federações tem tratado internamente com seus governos planos para a volta do futebol. Os estaduais, por enquanto, seguem sem um destino traçado e a única vontade é de que eles sejam terminados.
Na cidade de São Paulo, o combinado em última reunião é que, quando se tiver a autorização para voltar aos treinamentos, ela será para todos. Ou seja, todos os clubes passaram a se preparar na mesma data, tirando qualquer tipo de vantagem esportiva da discussão. Algo que considero bastante correto, aliás.
Segundo o Doutor José Sanchez, médico do São Paulo há mais de três décadas, o seu clube não tem nenhuma intenção de pressionar autoridades para a volta das partidas. Ao contrário disso, mesmo não sendo um especialista da área de infectologia, por exemplo, o profissional deixa claro que todos no Morumbi só agirão de acordo com as orientações dos especialistas.
- Obviamente que não é minha área de atuação, mas o que posso dizer é que no nosso clube, o São Paulo, não tenho sentido essa pressão de voltar a jogar a qualquer custo. Estamos acompanhando atentamente as informações vindas das autoridades confiáveis. De acordo com o que se coloca, sobre flexibilização ou não desse isolamento, a parte diretiva, junto com o departamento médico, vai tomar as medidas para um possível retorno. Na verdade, os atletas estão acompanhando a distância tudo isso. Difícil falar o que estão sentindo agora com relação a essa pressão de voltar, mas nós estamos tomando medidas de acordo com que as autoridades sanitárias nos passam – afirma.
Para Bruno Mazziotti, que se sagrou campeão francês mais uma vez pelo PSG por ordem do governo, que não autorizou o término da Ligue 1, é difícil projetar algo para o futuro neste momento. Muito pela velocidade que as informações mudam de acordo com o crescimento da pandemia. Para ele, no entanto, é hora de se apoiar na ciência para qualquer decisão.
- São muitas variáveis. Só o futuro vai nos dizer. O que a gente está falando neste momento pode mudar daqui alguns dias. Se falarmos algo ao contrário disso, a gente fica na “achologia”. O que a gente pode tirar como parâmetro, e como tem agido a maioria das autoridades, é se basear na ciência. Ela não te traz a certeza de tudo, mas com certeza vai diminuir as incertezas. A ciência não é infalível, mas pode deixar as coisas menos falíveis. E vai ser por aí que a gente vai desenvolver todo um planejamento – conclui o brasileiro.
Fonte: Renato Rodrigues
Efeito quarentena: da preocupação com o sono dos atletas até as orientações de saúde, medicina e fisioterapia adaptam abordagem
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