Cristiano Ronaldo fez um hat-trick na vitória desse domingo (14) da Juventus sobre o Cagliari por 3 a 1. Com esses três gols, em partida válida pelo Campeonato Italiano, o português chegou a 770 na carreira em jogos oficiais, ultrapassando Pelé, que anotou 767.
Mas é bom lembrar o seguinte: entre esses 770 gols oficiais de CR7, 18 foram feitos em jogos amistosos da seleção portuguesa. Mas como era data Fifa, os europeus reconhecem.
Ou seja: vale ou não vale gols de partidas amistosas? Deixa isso pra lá.
A canalhice europeia contra Pelé
Vamos discutir outra coisa: a canalhice desta nova geração de europeus que tenta surrupiar na cara dura os gols marcados por Pelé nos amistosos feitos pelo Santos. Eles querem apagar parte importante da história do mais valioso jogador de futebol de todos os tempos.
Mas enquanto eu estiver trabalhando, prometo que não deixarei isso acontecer. Vou gritar para que minha voz seja ouvida.
Ninguém vai me convencer que esses gols marcados por CR7 diante de equipes inexpressivas da Série A italiana, por exemplo, valem mais do que gols que Pelé anotou em amistosos diante de gigantes europeus, em estádios com gente saindo pelo ladrão, gente que queria ver em ação... Pelé!
Vamos olhar em retrospecto...
CR7 faz hat-trick em 22 minutos, e Juventus vence; assista
Alguns exemplos
Maio de 1961. O moçambicano Eusébio e o seu Benfica venceram o Barcelona (3 a 2) na final do que hoje chamamos de Champions League e ganharam pela primeira vez o título europeu. Destronaram o poderoso Real Madrid de Di Stéfano e Puskás; Madrid que tinha conquistado os cinco primeiros títulos da principal disputa europeia de clubes.
No mês seguinte, esse mesmo Benfica foi disputar o tradicional Torneio de Paris. Do Brasil vinha o Santos, campeão da edição do ano anterior. E com o Santos vinha Pelé, que três anos antes tinha sido campeão do mundo com a seleção brasileira na Suécia, quando tinha apenas 17 anos. Pelé, então com 19 anos, já era cantado em prosa e verso como o melhor jogador do planeta e os europeus pagavam fortunas ao Santos para ver o seu camisa 10 em ação.
O mundo do futebol, naquele momento, só falava de Pelé e Eusébio. E quando eles entraram em campo para se enfrentar pela primeira vez, ninguém obviamente queria perder, pois era como se fosse um concurso de braço-de-ferro. Quem seria o vencedor? Quem era o mais forte?
Quando o árbitro francês Pierre Achinte apitou o final da partida, os 36.364 torcedores que foram ao Parque dos Príncipes olharam inebriados para o placar do estádio que marcava Benfica 3 x 6 Santos. Pelé fez dois gols neste amistoso, que, repito, ninguém queria perder.
Esses dois gols de Pelé valem menos do que os três que CR7 fez neste domingo no Cagliari?
Vamos agora avançar no tempo. Nova York, 21 de agosto de 1966...
Vinte e oito dias antes, o Brasil tinha acabado de ser eliminado por Portugal (3 a 1) na fase de grupos da Copa do Mundo disputada na Inglaterra. Aquele tinha sido o quarto encontro entre Pelé e Eusébio, que até então só tinha perdido (os outros dois foram pela final do Mundial Interclubes entre Santos e Benfica, em 1962). O Randall´s Island Stadium de Manhattan abrigava 25 mil torcedores, a maioria portugueses, cuja colônia era muito grande em Nova York. Eles ainda estavam extasiados com o desempenho de Portugal na Copa da Inglaterra (acabou em terceiro lugar) e imaginavam novo triunfo diante dos brasileiros.
O Benfica entrou em campo com sete jogadores de sua seleção, sendo que do meio-campo para frente, todos titulares dos encarnados foram titulares do time português no último Mundial: Jaime Graça, Coluna, Zé Augusto, Eusébio, Torres e Simões. O Santos colocou para jogar três titulares que enfrentaram Portugal em Liverpool: Orlando Peçanha, Lima e Pelé.
Final da partida: Santos 4 x 0 Benfica. Pelé marcou um dos gols santistas. E o jornal Folha de S.Paulo, em sua primeira página, destacou: 'Santos vai à forra e goleia Portugal'.
Esse gol anotado por Pelé vale menos que o tento feito por Cristiano Ronaldo, por exemplo, na vitória da Juventus diante do Spezia (3 a 0) pelo Italiano no dia 2 de março passado?
Dei exemplos falando dos portugueses por conta da efeméride criada envolvendo Cristiano Ronaldo e Pelé. Mas há muito mais para ser contado, muito mais.
Mais um exemplo? Vamos lá...
Pelé marcou quatro gols na vitória do Santos sobre a Inter de Milão por 7 a 1 em junho de 1959, em jogo válido pelo Torneio de Valência (Espanha). A partida foi vista por 60 mil pessoas. A mesma Folha de S.Paulo relatou: 'Ao término da fase inicial o placar era de 2 a 0, gols de Coutinho aos 17 e Pepe (penal sobre Pelé) aos 30. No período complementar, o fabuloso Pelé se agigantou em campo e com ele toda a sua equipe, partindo-se então para a goleada. Neste período, Pelé marcou quatro gols seguidos, aos 3, aos 8, aos 23e aos 24 minutos'. Pepe completaria o marcador anotando o tento final santista aos 31 minutos. Uma goleada histórica diante da Inter, que, assim como o Benfica, ganhou a Liga dos Campeões duas vezes naquela década.
Esses quatro gols de Pelé, num jogo apreciado por 60 mil pessoas, valem menos do que o gol que Cristiano Ronaldo marcou diante do Crotone (em 22 de fevereiro último) na vitória da Juventus também por 3 a 0 pelo Italiano?
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Exemplo com derrota santista? Ok, vamos lá
Vamos com mais um exemplo, agora com uma derrota santista — assim eu tento evitar os maledicentes.
Neste mesmo junho de 1959, mais precisamente no dia 17, o Santos enfrentou o poderoso Real Madrid, que tinha acabado de conquistar seu quarto título europeu, batendo na final o Stade Reims por 2 a 0. O jogo foi no Santiago Bernabéu e colocou frente a frente pela primeira e única vez Pelé e Di Stéfano. O Santos entrou em campo depois de 13 partidas em solo europeu, em excursão que começou em 23 de maio com um amistoso diante da seleção da Bulgária (3 a 3).
Dois dias antes do jogo na Espanha, o Santos estava na Holanda (vitória de 5 a 0 diante do Enschede). A delegação pegou o avião, chegou em Madri, treinou e foi para o hotel descansar. No dia seguinte encarou o Real. Placar da contenda: Madrid 5 x 3 Santos. Os brasileiros, feridos em seu orgulho, pediram revanche, mas os espanhóis negaram. Vinte e quatro horas depois da partida, a Folha de S.Paulo estampava: 'Real Madrid confirma seu interesse pelo avante Pelé'. Desejo que nunca se concretizou.
Volto a perguntar: vocês vão me dizer que esse gol que Pelé marcou no encontro das duas maiores equipes do planeta naquele momento vale menos do que o gol que CR7 fez diante do Sassuolo em 10 de janeiro passado (vitória da Vecchia Signora por 3 a 1)?
Se formos cotejar, aquelas partidas do Santos de Pelé eram muito mais difíceis e adversas dos que os jogos que Messi e Cristiano Ronaldo fazem hoje em dia em seus respectivos débeis campeonatos nacionais.
História é história
Não se pode apagar o passado.
Por isso, fico admirado de ver essa nova geração de panacas europeus tentando apagar o passado. Seguramente, seriam advertidos pelos seus antepassados, pois o velho, bom e culto europeu sempre preservou a história, antagonizando com os atuais obtusos.
O que seria de monumentos extraordinários como o Arco do Triunfo, Notre Dame, Coliseu, Partenón, Big Ben, Vaticano, Catedral de Colônia, Santuário de Lourdes, Palácio de Versalhes, Fórum Romano, Torre de Pisa, Acrópole se dependessem da cabeça desses lorpas de hoje em dia? Onde estariam os quadros de Da Vinci, Van Gogh, Picasso, Dali, Monet, Michelangelo, Munch, Renoir, Rembrandt, Rafael, Boticelli, Vermeer, Velázquez? Obras como as de Shakespeare, Dostoiévski, Kafka, García Lorca, Saramago, Camões, Baudelaire, Hugo, Goethe, Mann, Cervantes, Tolstói, Joyce, Woolf, Austen, Proust seriam queimadas simplesmente porque foram escritas com canetas e não com um computador?
O ser-humano de hoje, infelizmente, se boçalizou. Nos quatro cantos do planeta.
Viva, Cristiano Ronaldo!
Mas, felizmente, ainda há gente lúcida. Querem um exemplo? Cristiano Ronaldo!
CR7 foi sábio em seu post no Instagram nesse domingo ao dizer o seguinte sobre o feito alcançado: "(...) O mundo mudou desde então e o futebol também mudou, mas isso não significa que podemos simplesmente apagar a história de acordo com os nossos interesses."
Cristiano faz parte de uma espécie de ser-humano que não vai deixar esse planeta se embrutecer.
Viva, CR7!
Cristiano Ronaldo em ação pela Juventus
Federico Tardito/Getty Images
Flamengo é muito mais time que o Palmeiras. Alguém ousa discordar?
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